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terça-feira, 26 de abril de 2011

A Maria



Maria, uma cliente que ia ao consultório tratar uma antiga dor na perna.

Juntamente com essa dor, um medo muito grande de que, por qualquer motivo, venha a depender da família. Tinha sempre a impressão de que algo iria acontecer-lhe; uma doença ou um problema financeiro qualquer e que, por isso, ficaria dependente da família, o que lhe causava terrível angústia.

Era uma mulher de quarenta e dois anos, casada, com dois filhos, profissional liberal de certo sucesso. Aparentemente nada havia que justificasse os medos e as angústias da Maria.

Feito o tratamento, Maria segue à sua vida, sem poder entender todos os motivos das suas queixas. Consegue entender a raiva que sente em relação à família, isto é, a alguns membros da família; entende também que era necessário perdoar, não porque isso fosse bonito ou certo, mas porque se vê a fazer coisas que a levam a compreender alguns erros no ser humano.

Maria tinha sido uma criança com uma certa deficiência mental; ligeira, mas suficiente para que não pudesse sobreviver pelo próprio trabalho.

Filha de camponeses, empregados numa casa solarenga, apalaçada e rica.

Aí cresce, nos campos floridos, criança sempre contente, muito querida pelos pais, que vêm a morrer, passando a Maria a ser cuidada pelos patrões.

Na casa apalaçada, havia os filhos dos senhores, que a tratavam como uma simples serviçal, e pela deficiência, era sempre alvo da chacota de todos eles.

Tinha também um leve defeito físico na perna. Andava com certa dificuldade, não podia correr tanto como as outras crianças. Nas brincadeiras pelos jardin do pequeno palácio, era sempre a última.

A senhora decide, um dia, incluir Maria no seu testamento, beneficiando-a com uma pequena parte dos bens, apenas para que pudesse ter algo para sobreviver, já que não era capaz de prover o seu próprio sustento.

Preocupados, os filhos, por terem de dividir, resolveram fazer com que abandonasse a mansão.



Muito mais velha e gorda, devido à própria deficiência, vivia numa cadeira de rodas de madeira, numa casa também de madeira que, anteriormente havia sido ocupada pelos pais, quando ainda vivos.

Não satisfeitos, os herdeiros resolveram pegar fogo à casa, pensando que com ela arderia também a Maria, sem poder defender-se, queimada viva.

Passados anos, Maria conta como escapou às chamas sem que se apercebessem e como emagreceu. Sente-se um ser inferior, embora não o seja, o que lhe causa grande fúria. Está sempre pronta a fazer tudo quanto lhe pedem e nunca entendeu porque agia assim.

Hoje, muito mais tranquila, não mais se sente na obrigação de fazer seja o que for por quem quer que seja. Continua a viver sentada ou deitada, recebendo a alimentação de quem lha dá na boca, e o seu olhar parece não perdoar, mas também não pede perdão por erros que tenha cometido.

A dor na perna também é coisa do passado. Maria já nada sente e nunca e queixa. Já não sente dores nem raiva. Apenas vive, sem se aperceber que o faz ou o que faz.

E pergunto: «Quantas pessoas vivem como a Maria, sem companhia e sem cuidados de ninguém?»

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