Discurso da Presidenta da República, Dilma
Rousseff, na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas
Nova Iorque/EUA
Discurso da
Presidenta da República, Dilma Rousseff,
na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas
Nova Iorque/EUA
(itálicos DefesaNet)
na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas
Nova Iorque/EUA
(itálicos DefesaNet)
Embaixador John Ashe, Presidente da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas,
Senhor
Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas,
Excelentíssimos
Senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras
e Senhores,
Permitam-me
uma primeira palavra para expressar minha satisfação em ver um ilustre
representante de Antígua e Barbuda – país que integra o Caribe tão querido no
Brasil e em nossa região – à frente dos trabalhos desta Sessão da
Assembleia-Geral.
Conte,
Excelência, com o apoio permanente de meu Governo.
Permitam-me
também, já no início da minha intervenção, expressar o repúdio do governo e do
povo brasileiro ao atentado terrorista ocorrido em Nairóbi. Expresso as nossas
condolências e a nossa solidariedade às famílias das vítimas, ao povo e ao
governo do Quênia.
O
terrorismo, onde quer que ocorra e venha de onde vier, merecerá sempre nossa
condenação inequívoca e nossa firme determinação em combatê-lo. Jamais
transigiremos com a barbárie.
Senhor
Presidente,
Quero trazer à consideração das delegações
uma questão a qual atribuo a maior relevância e gravidade.
Recentes revelações sobre as atividades de
uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em
amplos setores da opinião pública mundial.
No Brasil, a situação foi ainda mais
grave, pois aparecemos como alvo dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos
foram indiscriminadamente objeto de interceptação. Informações empresariais –
muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico - estiveram na mira
da espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras, entre elas a
Missão Permanente junto às Nações Unidas e a própria Presidência da República
tiveram suas comunicações interceptadas.
Imiscuir-se dessa forma na vida de outros
países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as
relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania
firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança
dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e
civis fundamentais dos cidadãos de outro país.
Pior ainda quando empresas privadas estão
sustentando essa espionagem.
Não se sustentam argumentos de que a
interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações
contra o terrorismo.
O Brasil, senhor presidente, sabe proteger-se.
Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas.
Somos um país democrático, cercado de
países democráticos, pacíficos e respeitosos do Direito Internacional. Vivemos
em paz com os nossos vizinhos há mais de 140 anos.
Como tantos outros latino-americanos,
lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo
intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu país.
Sem ele – direito à privacidade - não há verdadeira liberdade de expressão e
opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não
há base para o relacionamento entre as nações.
Estamos,
senhor presidente, diante de um caso grave de violação dos direitos humanos e
das liberdades civis; da invasão e captura de informações sigilosas relativas
as atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do
meu país.
Fizemos
saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações,
desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão.
Governos
e sociedades amigas, que buscam consolidar uma parceria efetivamente
estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais,
recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis.
O
Brasil, senhor presidente, redobrará os esforços para dotar-se de legislação,
tecnologias e mecanismos que nos protejam da interceptação ilegal de
comunicações e dados.
Meu
governo fará tudo que estiver a seu alcance para defender os direitos humanos
de todos os brasileiros e de todos os cidadãos do mundo e proteger os frutos da
engenhosidade de nossos trabalhadores e de nossas empresas.
O
problema, porém, transcende o relacionamento bilateral de dois países. Afeta a
própria comunidade internacional e dela exige resposta. As tecnologias de
telecomunicação e informação não podem ser o novo campo de batalha entre os
Estados. Este é o momento de criarmos as condições para evitar que o espaço
cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem,
da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros países.
A
ONU deve desempenhar um papel de liderança no esforço de regular o
comportamento dos Estados frente a essas tecnologias e a importância da
internet, dessa rede social, para construção da democracia no mundo.
Por essa razão, o Brasil apresentará
propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a
governança e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos
dados que por ela trafegam.
Precisamos estabelecer para a rede mundial
mecanismos multilaterais capazes de garantir princípios como:
1 - Da liberdade de expressão, privacidade
do indivíduo e respeito aos direitos humanos.
2 - Da Governança democrática,
multilateral e aberta, exercida com transparência, estimulando a criação
coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor privado.
3 - Da universalidade que assegura o
desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não
discriminatórias.
4 - Da diversidade cultural, sem imposição
de crenças, costumes e valores.
5 - Da neutralidade da rede, ao respeitar
apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrições por
motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.
O
aproveitamento do pleno potencial da internet passa, assim, por uma regulação
responsável, que garanta ao mesmo tempo liberdade de expressão, segurança e
respeito aos direitos humanos.
Senhor
presidente, senhoras e senhores,
Não
poderia ser mais oportuna a escolha da agenda de desenvolvimento pós-2015 como
tema desta Sessão da Assembleia-Geral.
O
combate à pobreza, à fome e à desigualdade constitui o maior desafio de nosso
tempo.
Por
isso, adotamos no Brasil um modelo econômico com inclusão social, que se
assenta na geração de empregos, no fortalecimento da agricultura familiar, na
ampliação do crédito, na valorização do salário e na construção de uma vasta
rede de proteção social, particularmente por meio do nosso programa Bolsa
Família.
Além
das conquistas anteriores, retiramos da extrema pobreza, com o Plano Brasil sem
Miséria, 22 milhões de brasileiros, em apenas dois anos.
Reduzimos
de forma drástica a mortalidade infantil. Relatório recente do UNICEF aponta o
Brasil como país que promoveu uma das maiores quedas deste indicador em todo o
mundo.
As
crianças são prioridade para o Brasil. Isso se traduz no compromisso com a
educação. Somos o país que mais aumentou o investimento público no setor educacional,
segundo o ultimo relatório da OCDE. Agora vinculamos, por lei, 75% de todos os
royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde.
Senhor
presidente,
No
debate sobre a Agenda de Desenvolvimento pós-2015 devemos ter como eixo os
resultados da Rio+20.
O
grande passo que demos no Rio de Janeiro foi colocar a pobreza no centro da
agenda do desenvolvimento sustentável. A pobreza, senhor presidente, não é um
problema exclusivo dos países em desenvolvimento, e a proteção ambiental não é
uma meta apenas para quando a pobreza estiver superada.
O
sentido da agenda pós-2015 é a construção de um mundo no qual seja possível
crescer, incluir, conservar e proteger.
Ao
promover, senhor presidente, a ascensão social e superar a extrema pobreza,
como estamos fazendo, nós criamos um imenso contingente de cidadãos com
melhores condições de vida, maior acesso à informação e mais consciência de
seus direitos.
Um
cidadão com novas esperanças, novos desejos e novas demandas.
As
manifestações de junho, em meu país, são parte indissociável do nosso processo
de construção da democracia e de mudança social.
O
meu governo não as reprimiu, pelo contrário, ouviu e compreendeu a voz das
ruas. Ouvimos e compreendemos porque nós viemos das ruas.
Nós
nos formamos no cotidiano das grandes lutas do Brasil. A rua é o nosso chão, a
nossa base.
Os
manifestantes não pediram a volta ao passado. Os manifestantes pediram sim o
avanço para um futuro de mais direitos, mais participação e mais conquistas
sociais.
No
Brasil, foi nessa década, que houve a maior redução de desigualdade dos últimos
50 anos. Foi esta década que criamos um sistema de proteção social que nos
permitiu agora praticamente superar a extrema pobreza.
Sabemos
que democracia gera mais desejo de democracia. Inclusão social provoca cobrança
de mais inclusão social. Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade
de vida.
Para
nós, todos os avanços conquistados são sempre só um começo. Nossa estratégia de
desenvolvimento exige mais, tal como querem todos os brasileiros e as
brasileiras.
Por
isso, não basta ouvir, é necessário fazer. Transformar essa extraordinária
energia das manifestações em realizações para todos.
Por
isso, lancei cinco grandes pactos: o pacto pelo Combate à Corrupção e pela Reforma
Política; o pacto pela Mobilidade Urbana, pela melhoria do transporte público e
por uma reforma urbana; o pacto pela Educação, nosso grande passaporte para o
futuro, com o auxílio dos royalties e do fundo social do petróleo; o pacto pela
Saúde, o qual prevê o envio de médicos para atender e salvar as vidas dos
brasileiros que vivem nos rincões mais remotos e pobres do país; e o pacto pela
Responsabilidade Fiscal, para garantir a viabilidade dessa nova etapa.
Senhoras
e Senhores,
Passada
a fase mais aguda da crise, a situação da economia mundial ainda continua
frágil, com níveis de desemprego inaceitáveis.
Os
dados da OIT indicam a existência de mais de 200 milhões de desempregados em
todo o mundo.
Esse
fenômeno afeta as populações de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Este
é o momento adequado para reforçar as tendências de crescimento da economia
mundial que estão agora dando sinais de recuperação.
Os
países emergentes, sozinhos, não podem garantir a retomada do crescimento
global. Mais do que nunca, é preciso uma ação coordenada para reduzir o
desemprego e restabelecer o dinamismo do comércio internacional. Estamos todos
no mesmo barco.
Meu
país está recuperando o crescimento apesar do impacto da crise internacional
nos últimos anos. Contamos com três importantes elementos: i) o compromisso com
políticas macroeconômicas sólidas; ii) a manutenção de exitosas políticas
sociais inclusivas; iii) e a adoção de medidas para aumentar nossa
produtividade e, portanto, a competitividade do país.
Temos
compromisso com a estabilidade, com o controle da inflação, com a melhoria da
qualidade do gasto público e a manutenção de um bom desempenho fiscal.
Seguimos,
senhor presidente, apoiando a reforma do Fundo Monetário Internacional.
A
governança do fundo deve refletir o peso dos países emergentes e em
desenvolvimento na economia mundial. A demora nessa adaptação reduz sua
legitimidade e sua eficácia.
Senhoras
e senhores, senhor presidente
O
ano de 2015 marcará o 70º aniversário das Nações Unidas e o 10º da Cúpula
Mundial de 2005.
Será
a ocasião para realizar a reforma urgente que pedimos desde aquela cúpula.
Impõe
evitar a derrota coletiva que representaria chegar a 2015 sem um Conselho de
Segurança capaz de exercer plenamente suas responsabilidades no mundo de hoje.
É
preocupante a limitada representação do Conselho de Segurança da ONU, face os
novos desafios do século XXI.
Exemplos
disso são a grande dificuldade de oferecer solução para o conflito sírio e a
paralisia no tratamento da questão israelo-palestina.
Em
importantes temas, a recorrente polarização entre os membros permanentes gera
imobilismo perigoso.
Urge
dotar o Conselho de vozes ao mesmo tempo independentes e construtivas. Somente
a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes, e a inclusão de
países em desenvolvimento em ambas as categorias, permitirá sanar o atual
déficit de representatividade e legitimidade do Conselho.
Senhor
presidente,
O
Debate Geral oferece a oportunidade para reiterar os princípios fundamentais
que orientam a política externa do meu país e nossa posição em temas candentes
da realidade e da atualidade internacional. Guiamo-nos pela defesa de um mundo
multilateral, regido pelo Direito Internacional, pela primazia da solução
pacífica dos conflitos e pela busca de uma ordem solidária e justa – econômica
e socialmente.
A
crise na Síria comove e provoca indignação. Dois anos e meio de perdas de vidas
e destruição causaram o maior desastre humanitário deste século.
O
Brasil, que tem na descendência síria um importante componente de nossa
nacionalidade, está profundamente envolvido com este drama.
É
preciso impedir a morte de inocentes, crianças, homens, mulheres e idosos. É
preciso calar a voz das armas – convencionais ou químicas, do governo ou dos
rebeldes.
Não
há saída militar. A única solução é a negociação, o diálogo, o entendimento.
Foi
importante a decisão da Síria de aceder à Convenção sobre a Proibição de Armas
Químicas e aplicá-la imediatamente.
A
medida é decisiva para superar o conflito e contribui para um mundo livre
dessas armas. Seu uso, reitero, é hediondo e inadmissível em qualquer situação.
Por
isso, apoiamos o acordo obtido entre os Estados Unidos e a Rússia para a
eliminação das armas químicas sírias. Cabe ao Governo sírio cumpri-lo
integralmente, de boa-fé e com ânimo cooperativo.
Em
qualquer hipótese, repudiamos intervenções unilaterais ao arrepio do Direito
Internacional, sem autorização do Conselho de Segurança. Isto só agravaria a
instabilidade política da região e aumentaria o sofrimento humano.
Da
mesma forma, a paz duradoura entre Israel e Palestina assume nova urgência diante
das transformações por que passa o Oriente Médio.
É
chegada a hora de se atender às legítimas aspirações palestinas por um Estado
independente e soberano.
É
também chegada a hora de transformar em realidade o amplo consenso
internacional em favor de uma solução de dois Estados.
As
atuais tratativas entre israelenses e palestinos devem gerar resultados
práticos e significativos na direção de um acordo.
Senhor
presidente, senhoras e senhores,
A
história do século XX mostra que o abandono do multilateralismo é o prelúdio de
guerras, com seu rastro de miséria humana e devastação.
Mostra
também que a promoção do multilateralismo rende frutos nos planos ético,
político e institucional.
Renovo,
assim, o apelo em prol de uma ampla e vigorosa conjunção de vontades políticas
que sustente e revigore o sistema multilateral, que tem nas Nações Unidas seu
principal pilar.
Em
seu nascimento, reuniram-se as esperanças de que a humanidade poderia superar
as feridas da Segunda Guerra Mundial.
De
que seria possível reconstruir, dos destroços e do morticínio, um mundo novo de
liberdade, de solidariedade e prosperidade.
Temos
todos a responsabilidade de não deixar morrer essa esperança tão generosa e tão
fecunda.
Muito
obrigada, senhores e senhoras.
Dilma Rousseff
Nova Iorque
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