O grande exemplo que a Islândia proporciona
ao mundo.
Os filhos dos magnatas estudam nos mesmos
colégios das outras crianças, na Islândia
O texto abaixo foi publicado, originalmente, na BBC.
Embora eu tenha crescido na Nova Inglaterra,
no nordeste dos Estados Unidos (onde neva com frequência no inverno), senti uma
sensação diferente ao ver as nevascas islandesas. Era algo paralisante, com
rajadas de vento épicas que faziam com que os flocos de neve parecessem
navalhas.
Quando
deixei minhas malas no solo coberto de neve da capital, Reykjavik, um homem se
aproximou de mim em um jipe.
“Quer
subir?”, perguntou-me.
Aquilo
parecia uma loucura. Quem entraria no carro de um desconhecido?
Mas, apesar
do que já me disseram sobre pegar carona com estranhos, pulei na parte traseira
do veículo sabendo que nada de mal aconteceria.
Pois, afinal
de contas, eu estava na Islândia. Eu ficaria por lá uma semana com o intuito de
estudar os baixos índices de criminalidade do país. Essa era minha segunda
viagem a essa gélida nação em seis meses.
Passei os
últimos três anos na Universidade de Suffolk, no Estado americano de Boston,
estudando direito internacional.
Antes de
minha primeira visita a Reykjavik, em agosto de 2012, já havia definido o tema
da minha tese: faria um estudo sobre a Convenção de Genebra para a guerra
cibernética.
Mas aquela
semana na Islândia mudou meus planos. Estava agradavelmente surpreso com o que
vi.
Os crimes
violentos eram praticamente inexistentes na Islândia. As pessoas pareciam
despreocupadas com sua segurança ou de seus filhos, a ponto de deixar as
crianças sozinhas na rua.
Passei
temporadas na Noruega, na Suíça e na Dinamarca, mas agora esses países pareciam
tomados pelo crime, em comparação com a Islândia.
De volta aos
Estados Unidos, mudei o tema de minha tese. Queria saber qual era o segredo da
Islândia.
Francamente,
não há uma resposta perfeita para explicar por que o país está entre os que
detêm os menores índices de criminalidade do mundo.
Segundo o
UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes), a taxa de
homicídios na Islândia entre os anos de 1999 e 2009 nunca foi mais alta que 1,8
por 100 mil habitantes.
Os Estados
Unidos, por sua vez, registraram no mesmo período taxas de homicídio anuais de
5 a 5,8 casos para cada 100 mil habitantes.
No Brasil, a
taxa é ainda maior, de 23 homicídios por 100 mil habitantes.
Depois de
conversar com professores, autoridades, advogados e jornalistas, os fatores do
sucesso da Islândia nessa área começaram a ser delineados – embora seja
impossível determinar em que medida cada um deles contribui para o resultado
final.
Em primeiro
lugar, quase não há diferença entre as classes alta, média e baixa na Islândia.
Por causa disso, praticamente inexiste tensão econômica entre classes – algo
raro em outros países.
Um trabalho
de um estudante da Universidade do Missouri que analisou o sistema de classes
islandês descobriu que somente 1,1% dos participantes do levantamento se
descreviam como classe alta e apenas 1,5% como classe baixa.
Os 97%
restantes se identificaram como classe média, ou trabalhadora.
Em uma das
minhas três visitas ao Parlamento islandês, me reuni com Bjorgvin Sigurdsson,
ex-presidente do grupo parlamentar da Aliança Social Democrata.
Para ele e
para a maioria dos islandeses com quem falei, a igualdade é a principal causa
da quase ausência de crimes.
“Aqui os
filhos dos magnatas vão aos mesmos colégios que o restante das crianças”,
afirmou Sigurdsson.
Para ele, os
sistemas de serviços públicos e de educação do país promovem a igualdade.
Os poucos
crimes que acontecem no país geralmente não envolvem armas de fogo, apesar dos
islandeses possuírem muitas.
A página de
internet GunPolicy.org estima que haja aproximadamente 90 mil armas no país –
cuja população é de cerca de 300 mil pessoas.
Isso faz com
que a Islândia figure na posição número 15 do ranking mundial de posse legal de
armas de fogo per capita.
Mas adquirir
uma arma de fogo não é fácil no país. O processo inclui um exame médico e uma
prova escrita.
A polícia
também não anda armada. Os únicos agentes que podem portar armas de fogo são
uma força especial chamada “Esquadrão Viking”, que atua em poucas ocasiões.
Além disso,
o tráfico de drogas na Islândia é pouco expressivo. Segundo um relatório da
UNODC, o consumo de cocaína por cidadãos com idades entre 15 e 64 anos é de
0,9%, o de ecstasy, 0,5%, e o de anfetaminas, 0,7%.
Também há
uma tradição na Islândia de denunciar os crimes diante de qualquer indício ou
agir para freá-los logo no início, antes que a situação piore.
No momento,
a polícia está combatendo o crime organizado enquanto o Parlamento discute leis
para ajudar a desmantelar essas redes criminosas.
Quando as
drogas pareciam ser um problema em expansão no país, o Parlamento estabeleceu
uma política antidrogas independente e um tribunal especial para lidar com o
problema. Isso aconteceu em 1973. Nos dez primeiros anos de funcionamento do
tribunal, 90% dos casos foram resolvidos com multas.
Esses são os
segredos da Islândia, que poderiam orientar outros países que buscam soluções
para seus problemas de delinquência.
Por isso,
enquanto eu subia naquela manhã no jipe daquele homem que sorriu para mim e
perguntou se eu precisava de ajuda com as malas, me senti seguro, mesmo não
sabendo quem ele era.
D. P. L.
Sem comentários:
Enviar um comentário