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sexta-feira, 10 de junho de 2011

A soberania nacional, o STF e o caso Battisti




Por Mauro Santayana

A decisão do STF, ao não permitir a intromissão do governo italiano em assuntos internos brasileiros, transcende a personalidade de Césare Battisti. Ainda que ele fosse o monstro que seus inimigos dizem ser, ainda que seus crimes fossem – como afirma o governo italiano – de reles latrocínio, a decisão de negar sua extradição é de estrita soberania brasileira. O Tratado de Extradição, com todo o respeito pelo advogado Nabor Bulhões, que representa a Itália, e é um dos mais respeitados profissionais de nosso País, prevê, claramente, que cabe à parte requerida considerar se os crimes cometidos são, ou não, políticos. O Presidente Lula, depois de ouvir seus assessores jurídicos – o que seria dispensável, diante da clareza do texto do acordo, decidiu negar a extradição. O Presidente agiu conforme as suas prerrogativas constitucionais. O Supremo, sem embargo disso, e diante de certas dúvidas, esperou a chegada de mais um membro do colégio julgador para, enfim, reconhecer o óbvio, e, na preliminar, não acatar o governo italiano como parte no pleito. O artigo III do Tratado relaciona os casos em que “a extradição não será concedida”, e a letra “e” estabelece um deles: “se o fato, pelo qual é pedida, for considerado, pela parte requerida, crime político”. A parte requerida, o Brasil, pela mais alta autoridade do Estado, considerou os delitos de Battisti como políticos. Logo, não há o que se discutir.

As nações, como as pessoas, não podem transigir em questões de princípio, como as de sua absoluta autodeterminação em assuntos internos. É da tradição imemorial dos estados o direito de admitir a presença de qualquer estrangeiro ou negá-la, sem dar razões de seu arbítrio. O governo italiano tem negado a admissão de cidadãos brasileiros em seu território, sem ficha criminal alguma, e de forma violenta, sem dar as razões de sua recusa. O nosso governo não lhe nega tal direito, embora reclame da forma desumana com que as autoridades italianas e de outros países europeus tratam os cidadãos portadores de passaportes brasileiros.As fronteiras nacionais são como os muros de nossa casa. Quando recebemos nela um hóspede, não temos por que explicar aos vizinhos as nossas razões. Podemos, é certo, impor-lhe algumas restrições, como as impusemos a Battisti, pelo fato de entrar em nosso país com um passaporte falso. Mas como sabem todos os que passaram pela perseguição política, os documentos falsos são, muitas vezes, a única saída. Lembro-me do desabafo de um exilado português que, viajando da Romênia para a Hungria – paises então socialistas – ao apresentar seu passaporte, ouviu do policial a recusa, sob o argumento, verdadeiro, de que o passaporte era falso. O português retrucou, no ato: “você queria que ele fosse verdadeiro?

Por esse ato, necessário nas circunstâncias, Battisti foi preso há quatro anos, antes que o governo italiano reclamasse a sua extradição. Não porque seja inocente ou culpado, mas
pelo fato de que, soberanamente, não queremos entregá-lo para o cumprimento de prisão perpétua, em condições particularmente difíceis, outra decisão não poderia ter tomado o STF em seu julgamento de ontem.

E há mais: nunca a dignidade do Brasil se viu tão ofendida por um governo estrangeiro, como ocorreu nesse episódio. Membros do gabinete de Berlusconi, – que como sabemos, é um respeitável, probo e casto senhor – chegaram a insinuar que somos uma nação de mulheres vagabundas e de juristas de faz-de-conta.

Esperemos que essa soberania, ontem reafirmada, se robusteça e se reafirme em outros assuntos.

O processo era kafkiano. Mas, Battisti se salvou

Por Celso Lungaretti

Falamos em Caso Dreyfus, por se tratar de uma terrível injustiça e pelo intenso debate que gerou.

Comparamos com o martírio de Sacco e Vanzetti, porque os dois perseguidores togados de Cesare Battisti foram igual e absurdamente tendenciosos, alinhando-se, até o mais ínfimo detalhe, com o pleito italiano.

A execução destes imigrantes anarquistas em 1927 teve, como pretexto, homicídios que as autoridades estadunidenses sabiam terem sido cometidos por criminosos sem envolvimento político; e como verdadeiro motivo, a intimidação dos agrupamentos revolucionários.

Oficialmente inocentados meio século depois, foram, portanto, assassinados por linchadores travestidos de julgadores -- como Battisti, por muito pouco, escapou de ser.

O paralelo mais apropriado, contudo, talvez não seja histórico, e sim literário: é com a via crucis de Joseph K. Com a diferença de que Battisti acabou sendo salvo por uma corrente de bons brasileiros e uma extraordinária estrangeira.

A exemplo do personagem principal de O Processo, Battisti repentinamente se viu em meio a um pesadelo do qual não conseguia acordar, sob acusações despropositadas e sem encontrar nenhuma autoridade que levasse em conta seus protestos e provas de inocência. Mais kafkiano, impossível.

Daí tanto perguntar, no seu livro Minha fuga sem fim, em entrevistas e mensagens: "Por que eu?".

TRADIÇÃO DE FAMÍLIA

Neto, filho e irmão mais novo de comunistas, engajou-se naturalmente na Juventude do PCI e, aos 13 anos, já participava dos protestos estudantis que marcaram o 1968 europeu.

Depois, no cenário radicalizado do pós-1968, o ardor da idade, também naturalmente, o foi conduzindo cada vez mais para a esquerda: do PCI à Lotta Continua, desta à Autonomia Operária, até desembocar no Proletários Armados para o Comunismo, pequena organização regional com cerca de 60 integrantes.

Participou de assaltos para sustentar o movimento -- as expropriações de capitalistas -- e não nega. Mas, assustado com a escalada deviolência desatinada - cujo ápice foi a execução do sequestrado premiê Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas -- desligou-se em 1978, logo após o primeiro assassinato reivindicado por um núcleo dos PAC, do qual só tomou conhecimento a posteriori, recebendo-o com indignação.

Já era um mero foragido sem partido quando os PAC vitimaram outras três pessoas, no ano seguinte.

Detido, foi condenado em 1981 pelo que realmente fez (participação em grupo armado, assalto e receptação de armas), mas a uma pena rigorosa demais (12 anos), característica dos anos de chumbo na Itália, quando se admitia até a permanência de um suspeito em prisãoPREVENTIVA por MAIS DE 10 ANOS!!!

Resgatado em outubro de 1981, por uma operação comandada pelo líder dos PAC, Pietro Mutti, abandonou a Itália, a luta armada e a própria participação política, ocultando-se na França, depois no México, onde iniciou sua carreira literária.

Aceitando a oferta do presidente François Mitterrand -- abrigo permanente para os perseguidos políticos italianos que se comprometessem a não desenvolver atividades revolucionárias em solo francês -, levava existência pacata e laboriosa há 14 anos, quando, em 2004, a Itália o escolheu como alvo.

Tinha sido um personagem secundário e obscuro nos anos de chumbo, quando cerca de 600 grupos e grupúsculos de ultraesquerda se constituíram na Itália. O fenômeno ganhou maiores proporções porque muitos militantes sinceros de esquerda foram levados ao desespero pela traição histórica do PCI, que tornou a revolução inviável num horizonte visível ao mancomunar-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã.

Destes 600, um terço esteve envolvido em ações armadas.

"POR QUE EU?"

Nem os PAC tinham posição de destaque na ultraesquerda, nem Battisti era personagem destacado dos PAC. Foi apenas a válvula de escape de que o delator premiado Pietro Mutti e outros arrependidos, em depoimentos escandalosamente orquestrados, serviram-se para obter reduções de pena: estava a salvo no exterior, então poderiam descarregar sobre ele, sem dano, as próprias culpas.

Num tribunal que só faltou ser presidido por Tomás de Torquemada, Battisti acabou sendo novamente julgado na Itália e condenado à prisão perpétua em 1987.

A sentença se lastreou unicamente no depoimento desses prisioneiros que aspiravam a obter favores da Justiça italiana - cujas grotescas mentiras se evidenciaram, p. ex., na atribuição da autoria direta de dois homicídios quase simultâneos a Battisti, tendo a acusação de ser reescrita quando se percebeu a impossibilidade material de ele estar de corpo presente em ambas as cidades.

Depois, provou-se de forma cabal que Battisti não só fora representado por advogados hostis (pois defendiam os arrependidos cujos interesses conflitavam com os dele), como também falsários (pois forjaram as procurações que os davam como seus patronos).

Battisti escapara das garras da Justiça italiana, então valia tudo contra ele. Mas, ainda, como vilão menor.

Passou a ser encarado como um vilão maior quando alcançou o sucesso literário. Tinha muito a revelar sobre o macartismo à italiana dos anos de chumbo, tantas vezes denunciado pela Anistia Internacional e outros defensores dos direitos humanos.

Foi aí, em 2004, que a Itália direcionou suas baterias contra Battisti, investindo pesado em persuasões e pressões para que a França desonrasse a palavra empenhada por um presidente da República. Tudo isto facilitado pela voga direitista na Europa e pela histeria insuflada ad nauseam a partir do atentado contra o WTC.

Ao mesmo tempo que concedia a extradição antes negada, a França, por meio do seu serviço secreto, facilitou a evasão de Battisti. A habitual duplicidade francesa.

VÍTIMA DE DOIS SEQUESTROS. NO BRASIL

E o pesadelo se transferiu para o Brasil, onde o escritor teve a infelicidade de encontrar, no STF, dois inquisidores dispostos a tudo para entregarem o troféu a Silvio Berlusconi.

Preso em março/2007, seu caso deveria ter sido encerrado em janeiro/2009, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.

Mas, ao contrário do que estabelecia a Lei do Refúgio, bem como da jurisprudência consolidada em episódios anteriores, o relator Cezar Peluso manteve Battisti sequestrado, na esperança de convencer o STF a revogar (na prática) a Lei e jogar no lixo a jurisprudência.

Apostando numa hipótese coerente com suas convicções pessoais (conservadoras, medievalistas e reacionárias), Peluso manteve encarcerado quem deveria libertar.

Ele e o então presidente Gilmar Mendes atraíram mais três ministros para sua aventura que, em última análise, visava erigir o Supremo em alternativa ao Poder Executivo, esvaziando-o ao assumir suas prerrogativas inerentes. A criminalização dos movimentos sociais também fazia, obviamente, parte do pacote.

Foram juridicamente aberrantes as duas primeiras votações, em que o STF, por 5x4, derrubou uma decisão legítima do ministro da Justiça e autorizou a extradição de um condenado por delitos políticos, ao arrepio das leis e tradições brasileiras.

Como na nossa ditadura militar, delitos políticos foram falciosamente metamorfoseados em crimes comuns - a despeito da sentença italiana, dezenas de vezes, imputar a Battisti a subversão contra o Estado italiano e enquadrá-lo numa lei instituída exatamente para combater tal subversão!

A blitzkrieg direitista foi detida na terceira votação, quando Peluso e Mendes tentavam automatizar a extradição, cassando também uma prerrogativa do presidente da República, condutor das relações internacionais do Brasil.

Contra este acinte à Constituição insurgiu-se um ministro legalista, Carlos Ayres Britto. Também por 5x4, ficou definido que a decisão final continuava sendo do presidente da República, como sempre foi.

Sabendo que Luiz Inácio Lula da Silva não cederia às afrontosas pressões italianas, o premiê Silvio Berlusconi já se conformava com a derrota em fevereiro de 2010, pedindo apenas que a pílula fosse dourada para não o deixar muito mal com o eleitorado do seu país.

Mesmo assim, quando Lula encerrou de vez o caso, Peluso apostou numa nova tentativa de virada de mesa. Ao invés de libertar Battisti no próprio dia 31/12/2010, que era o que lhe restava fazer segundo o ministro Marco Aurélio de Mello e o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari, manteve-o, ainda, sequestrado.

E o sequestro, desta vez, saltou aos olhos e clamou aos céus. Só não viu quem não quis.

Com o STF decidindo, por sonoros 6x3 (só Ellen Gracie embarcou na canoa furada de Peluso e Mendes), que não havia mais motivo nenhum para o processo prosseguir nem para Battisti ser mantido preso, como fica a situação de quem cerceou arbitrariamente sua liberdade por cinco meses e oito dias?

Torno a perguntar: quem julga o presidente da mais alta Corte?

UM IMPERADOR EM PARAFUSO

Além do governo neofascista de Berlusconi, que usou todo o peso de um país do 1º mundo na tentativa de arrancar Battisti do Brasil; da cabeça-de-ponte no Supremo e do previsível engajamento dos reacionários brasileiros na cruzada italiana (vide a arguição da inconstitucionalidade do parecer da Advocacia Geral da União, por parte do DEM),uma menção especial cabe à grande imprensa brasileira em geral e a Mino Carta em particular.

Elesprotagonizaram uma das páginas mais vergonhosas de nosso jornalismo em todos os tempos, com uma satanização sem limites, omitindo informações importantes, maximizando insignificâncias, não abrindo espaço para o outro lado, cerceando o direito de resposta, manipulando, mentindo, pressionando, picareteando.

Nos momentos mais cruciais do caso, tratavam Battisti como terrorista, o que nem a discricionária Justiça italiana dos anos de chumbo ousara. Tudo fizeram para que um ex-militante inativo há três décadas fosse confundido com um Bin-Laden da vida.

Finalmente, se a jornada kafkiana de Battisti chegou a bom termo, isto em muito se deve ao espírito de Justiça e à faina incansável de Fred Vargas, Carlos Lungarzo e Eduardo Suplicy; aos artigos magistrais de Dalmo Dallari; ao abnegado trabalho de divulgação desenvolvido por Rui Martins na fase em que poucos se interessavam pelo assunto; e à dedicação de uma militância jovem e apaixonada, que vestiu a camisa e deu o sangue pela causa.

Seria impossível lembrar e citar todos; nem isto é tão importante quando se luta por ideais.Nossa verdadeira recompensa é saber que ajudamos a impedir que este episódio terminasse como o de Olga Benário e de Sacco e Vanzetti.

Por mais difícil que se apresente e por mais poderosos que sejam os inimigos enfrentados, nenhuma luta está perdida na véspera. Esta é a lição que fica.

Gilmar e Ellen: a politização do saber jurídico

Enviado por luisnassif, qui, 09/06/2011

A ampla exposição dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) pela Internet, a possibilidade de confrontar votos e posições dos ministros têm permitido entender de forma didática o que em direito se chama de chicana – o uso abusivo de recursos protelatórios nos julgamentos, ou a utilização do pretenso saber jurídico para impor a vontade pessoal do julgador. Quando todos os membros da corte possuem saber jurídico, facilita o trabalho de entender essa forma de ditadura do especialista.
No julgamento de ontem, do caso Battisti, não estava em jogo o mérito do caso, a culpa ou inocência de Battisti, mas
uma questão constitucional: o poder do Executivo para autorizar ou não uma extradição, que é um ato de política diplomática.
Com mais de duas horas, o voto de Gilmar Mendes levantou questões que
não estavam em julgamento – o mérito de livrar ou não Battisti – ou questões genéricas – o questionamento do poder absoluto do presidente da República, quando o que se discutia era seu poder específico para definir questões diplomáticas.
A Ministra Ellen Gracie endossou a posição da República da Itália a um ato soberano da República do Brasil.
Todo esse imenso estardalhaço foi destruído por dois argumentos tão óbvios que desnudam totalmente a hipótese das divergências jurídicas, para revelar a motivação de ambos,
Ministros que buscam contornar a lei e a constituição para aplicar sua própria justiça:
1. Sobre se é justo ou não impedir a extradição de Battisti, mostrou-se que a questão em jogo é
o direito ou não que tem o presidente da República de tomar decisões no campo diplomático. E a corte decidiu que sim.

2. Quando a incrível Ellen alegou que o presidente pode tomar decisões diplomáticas, desde que se atenha aos termos dos acordos bilaterais firmados, foifulminada pelos demais Ministros: cumprimento de tratados entre países é matéria de análise do Tribunal de Haia, não do STF. Mais ainda: que a posição da Itália colocava em xeque o próprio conceito de soberania nacional.

Por Dalmo Dallari (*)

Fingir que o Supremo Tribunal Federal ainda pode decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti formulado pelo governo italiano não passa de uma farsa processual, uma simulação jurídica que agride a Ética e o Direito.

E manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso, é ato de extrema violência, pois além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e garantido pela Constituição brasileira, em decorrência da prisão ilegal todos os demais direitos fundamentais da vítima da ilegalidade são agredidos.

Basta lembrar, entre outros, o direito à intimidade, o direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à vida social e familiar, todos consagrados e garantidos pela Constituição brasileira e cujo respeito é absolutamente necessário para preservação da dignidade humana.

E a simulação de um processo pendente de decisão do Supremo Tribunal, para saber se Battisti será ou não extraditado, o que já teve decisão transitada em julgado, agrava essa violência e desmoraliza a Suprema Corte brasileira.

Na realidade, o Supremo Tribunal já esgotou sua competência para decidir sobre esse pedido quando, em sessão de 18 de novembro de 2009, tomou decisão concedendo autorização para que o presidente da República pronunciasse a palavra final, com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália. Estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do Supremo Tribunal Federal no processo gerado pelo pedido de extradição.

Depois disso, em 31 de dezembro de 2010, o presidente da República, no exercício de sua competência constitucional privativa, tornou pública sua decisão de negar atendimento ao pedido de extradição de Cesare Battisti. E aqui se torna evidente a dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual já o Tribunal já decidiu, tendo esgotado sua competência.

Com efeito, a legalidade da decisão do presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O presidente decidiu no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão, claramente enunciada, tem por base disposições expressas da Constituição brasileira e das normas legais relativas à extradição, como também do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.

Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo Supremo Tribunal Federal e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do presidente da República por meio de uma Reclamação, que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação. Apesar da evidente falta de fundamento legal,
a Reclamação vem tramitando com a finalidade óbvia, mesquinha e imoral, de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite.

Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva, que já não tem cabimento. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao presidente da República. Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do chefe do Executivo se esta fosse concessiva da extradição, o presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.

Em 18 de novembro de 2009 o Supremo Tribunal decidiu conceder a autorização, o que foi comunicado ao chefe do Executivo com o reconhecimento expresso de que tal decisão não impunha ao presidente a obrigação de extraditar e a observação de que deveria ser considerado o tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália. É importante ressaltar que cabe ao presidente da República “decidir” e não aplicar burocraticamente uma decisão autorizativa do Supremo Tribunal, o que implica o poder de construir sua própria convicção quanto ao ato que lhe compete praticar, sem estar vinculado aos diferentes motivos que levaram cada Ministro da Suprema Corte a votar num determinado sentido.

Em 31 de dezembro de 2010 o presidente da República tomou a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o chefe do Executivo deixou claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição.



Na avaliação do pedido, o presidente da República levou em conta todo o conjunto de circunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, concluindo que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição.
Decisão juridicamente perfeita. Desde então, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continuasse preso. Cesare Battisti deveria ter sido libertado imediatamente, em respeito ao Direito e à Justiça.

Por todos esses motivos e fundamentos, fica evidente que a continuação da discussão do pedido de extradição de Battisti no Supremo Tribunal Federal e sua manutenção na prisão não têm qualquer fundamento jurídico, só encontrando justificativa na prevalência de interesses contrários à ética e ao Direito. Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade e da dignidade do Supremo Tribunal Federal impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática.

* Dalmo de Abreu Dallari é professor emérito da Faculdade de Direito da USP e professor catedrático da Unesco na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância.

(Enviado por um Amigo)

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