Invasão em progresso
Cinco bancos chineses chegam ao Brasil para dar suporte a
pesados investimentos da indústria, que aportou US$ 50 bi no País, e para
atender a executivos que aqui chegam
Com ativos que superam o PIB brasileiro, os dois dos maiores
bancos comerciais da China – e maiores do mundo – possuem licença do Banco
Central para operarem como banco múltiplo
Eles chegam silenciosos como os soldados de terracota. Aplicam
alguns milhões aqui, gastam outros bilhões ali e quando alguém faz as contas já
são US$ 50 bilhões em investimentos diretos. Carros, eletrônicos, aço, energia
elétrica, petróleo, gás, minérios. Eles seguem avançando. Nem tão em silêncio.
Quando alguém se apercebe, um prédio inteiro na rua Presidente Vargas, no Rio
de Janeiro, começa a falar mandarim.
Em São Paulo, um telefone toca na Rua Frei Caneca e do outro
lado da linha um expatriado consegue usar sua língua materna para abrir uma
conta bancária. A migração se completa. Os chineses também estão trazendo seus
bancos ao Brasil.
Com ativos que superam o PIB brasileiro, os dois dos maiores
bancos comerciais da China, que são os maiores do mundo, possuem licença
emitida pelo Banco Central Brasileiro para operarem como banco múltiplo, com as
carteiras comercial e de investimento e operações de câmbio. O Banco da China
(BOC) já está em funcionamento e figura na nonagésima posição do ranking que
lista mais de 200 bancos que atuam no país. Multiplicou por cinco sua carteira
de crédito em 2012 e investiu em uma agência bancária para atender o varejo. O
outro gigante, Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), deve começar a
operar em junho desse ano, segundo informações do BC.
No Rio, acaba de ser inaugurado o escritório de representação do
Banco de Desenvolvimento da China (BDC), o poderoso banco de fomento do governo
chinês, com ativos de quase US$ 1 trilhão e disponibilidade para financiar
projetos de infraestrutura no Brasil. Além disso, pelo menos outras duas
instituições já estão sondando o mercado brasileiro: o Banco da Construção e o
Banco da Comunicação, segundo o presidente da Câmara de Comércio e Indústria
Brasil China, Charles Tang, que assessora as instituições financeiras que
buscam oportunidades de aquisições no país. A própria área técnica do Banco
Central confirma que mais chineses estão fazendo consultas informais.
O desembarque das instituições financeiras chinesas tem como
principal estratégia apoiar a ampliação da relação comercial entre os dois
países e os investimentos de empresas chinesas. O comércio entre Brasil e China
dobrou em cinco anos, chegando a US$ 75,4 bilhões. O plano para 2021 é
ultrapassar os US$ 300 bilhões.
Na estratégia de competição, os bancos disputarão esse mercado
com outras instituições estrangeiras já instaladas no Brasil e que focam os
negócios entre brasileiros e chineses, como é o caso do HSBC, que atende cerca
de 10% das operações comerciais entre os dois países. O professor de Finanças
da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), Hsia
Hua Sheng, diz que a entrada dos bancos chineses tem justamente o objetivo de
viabilizar maior cooperação.
“A relação dos países começou com o comércio, em seguida vieram
as indústrias e esses investimentos demandam muitos serviços financeiros”,
observou Sheng. O economista Paulo Yokota, parceiro de Delfim Neto na
Consultoria Ideias e que mantém o site “Ásia Comentada”, diz que os bancos
chineses vão tentar fazer o que o Brasil fez a décadas atrás, dando uma boa
retaguarda para seus fornecimentos de equipamentos e serviços, como os voltados
para a infraestrutura e construção pesada.
Estreia no varejo
Mas eles estão indo além e a chegada dessas instituições permite
um fato inédito na história do país: um cliente brasileiro já pode abrir uma
conta e ter cartão de crédito de um banco 100% chinês. Isso é possível no Banco
da China, que abriu agência comercial em São Paulo, oferecendo serviços
bancários para clientes pessoa física e pessoa jurídica.
Centro financeiro em Hong Kong
Apesar de a estratégia
ser a de atrair clientes entre o grupo de “funcionários e diretores das
empresas chinesas que buscam produtos bancários que possam facilitar o
gerenciamento diário de suas finanças pessoais”, a atendente da agência explica
que qualquer outra pessoa pode também abrir sua conta. Vender a moeda chinesa,
o RMB (renmimbi, o antigo yuan), para os comerciantes que vão à China em busca
de produtos baratos também é um negócio potencial. No mercado corporativo, o
banco atende ainda empresas brasileiras como Vale, Petrobras, Braskem e CSN, em
operações de comércio exterior.
De acordo com o
balanço financeiro do banco referente ao exercício de 2012, o ativo total da
instituição é de R$ 505,9 milhões, com depósitos totais de R$ 190 milhões e
patrimônio líquido de R$ 130,6 milhões. O volume de crédito concedido passou de
R$ 31,31 milhões em 2011 para R$ 173 milhões no ano passado. O banco teve
faturamento de R$ 25 milhões, mas fechou o ano com prejuízo, de R$ 7,4 milhões,
em função dos investimentos para a operação, como explicam as notas
explicativas de seu balanço trimestral encerrado em dezembro.
O enfraquecimento da
economia mundial, entretanto, fez com que o banco adotasse uma postura não tão
agressiva ao fazer a análise, avaliação e aprovação de limites de crédito para
empresas tomadoras de recursos. “O Banco da China tem expandido empréstimos via
Cédulas de Crédito Bancário, além de emitir volumes crescentes de garantias
para empresas chinesas no Brasil com lastro em contra garantias emitidas no
exterior pela matriz dessas corporações, o que reduz, consequentemente, os
riscos de crédito”, diz o relatório.
Chineses querem financiar, diretamente, projetos de
infraestrutura
Financiar comércio
exterior ou oferecer serviços financeiros a executivos expatriados e indústrias
que investem no país são apenas as atividades iniciais dos bancos chineses que
estão chegando ao Brasil. Essas instituições também querem entrar fortemente no
financiamento direto à infraestrutura. Em março, o Banco de Desenvolvimento da
China inaugurou escritório de representação no Rio de Janeiro, ocupando um
andar inteiro do prédio na avenida Presidente Vargas.
O imóvel foi comprado
pela empresa chinesa de transmissão de energia elétrica State Grid, que teve
financiamento da instituição para adquirir ativos de transmissão no Brasil em
2010, quando pagou US$ 3,1 bilhões pela Plena Transmissoras. A inauguração do
escritório de representação contou com a presença dos governadores do Mato
Grosso, André Puccinelli, do Tocantins, Siqueira Campos, do vice-governador de
Goiás, José Eliton, e da senadora Kátia Abreu (TO), que é presidente da Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Nos últimos anos, tem
sido quase rotina o anúncio de instalação de novas empresas chinesas no Brasil.
Os investimentos chineses estão voltados para setores estratégicos, como
mineração e energia. A Câmara de Comércio e Indústria Brasil e China estima que
os investimentos chineses no |Brasil já somem um total de US$ 50 bilhões. O
presidente da entidade, Charles Tang, prevê que a vinda dos bancos chineses
para o Brasil também vai atrair novos investimentos para o país. “Esse
movimento é extremamente importante porque o Brasil tem potencial para ser uma
superpotência no setor agrícola mas tem que receber investimento para crescer”,
afirmou Tang.
Segundo levantamento
do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), um centro de estudos sobre a
relação bilateral sino-brasileira, os investimentos chineses mundo afora
parecem buscar ativos que saciem as demandas da economia chinesa, muito
dinâmica. Estatísticas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL) analisadas pelo CEBC mostram que os investimentos chineses no Brasil,
que representava 3,5% dos investimentos externos chineses de 1990 a 2009 na
América Latina, cresceram para 62,7% em 2010.
O estudo mostra que no
período anterior a 2005, os investimentos chineses não eram significativos. A
partir de 2010, no entanto, o país começou a experimentar um expressivo aumento
dos anúncios de investimentos chineses no país, momento em que a China passou a
incorporar as trocas com o Brasil às necessidades da sua economia.
“O salto verificado
neste volume de investimentos chineses no Brasil é um importante indicador do
surgimento de uma nova fase no relacionamento bilateral. Além de um aumento de
52% na corrente de comércio entre os países no período 2009-2010, a mudança
assinala um novo e importante componente: a chegada de um expressivo volume de
investimentos estrangeiros diretos”, observa o estudo.
D. P. L.
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