O artigo que tomou quase uma página inteira do New York
Times deu o que falar.
Foi assunto na blogosfera norte-americana o dia inteiro e provocou até mesmo uma explicação do jornal.
Margaret Sullivan, ombudsman, publicou um post no site do Times para explicar como e porque a publicação decidiu postar, ontem à noite — e publicar hoje no jornal impresso — o artigo assinado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Ela conta que na última quarta-feira o editor da página de opiniões e editoriais, Andrew Rosenthal, recebeu um telefonema da empresa de relações públicas americana que representa Vladimir Putin oferecendo o artigo.
Ele estava tão bem escrito e a argumentação era tão forte que Rosenthal decidiu publicar.
A repercussão foi enorme. Segundo o Times, nos últimos tempos foram poucos os artigos que receberam tanta atenção imediatamente.
Só se compara aos que foram escritos por Mona Simpson, irmã de Steve Jobs; Angelina Jolie sobre a mastectomia dupla à qual se submeteu e ao artigo de Greg Smith contando porque pediu demissão do banco Goldman Sachs.
Um pedido de cautela, da Rússia
Eventos recentes
envolvendo a Síria me impeliram a falar diretamente com o povo norte-americano
e com seus líderes políticos. É importante fazê-lo num tempo no qual a
comunicação entre as sociedades é insuficiente.
As nossas relações passaram por estágios distintos. Estivemos uns contra os outros durante a Guerra Fria. Mas também já fomos aliados, e derrotamos os nazistas juntos.
A organização universal internacional – as Nações Unidas – foi estabelecida para evitar que devastações como esta acontecessem novamente.
Os fundadores das Nações Unidos entenderam que as decisões que afetam a guerra e a paz devem ser tomadas apenas por consenso, e com o consentimento norte-americano o veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança foi preservado no Estatuto das Nações Unidas.
A sabedoria profunda dessa decisão sustentou a estabilidade das relações internacionais por décadas.
Ninguém quer que as Nações Unidas sofram a mesma sorte da Liga das Nações, que desmoronou por não ter alavancagem real. Isso é possível se países influentes ignorarem as Nações Unidas e agirem militarmente sem a autorização do Conselho de Segurança.
O ataque potencial dos Estados Unidos contra a Síria, apesar da forte oposição de vários países e grandes líderes políticos e religiosos, incluindo o Papa, resultará em um aumento do número de vítimas inocentes e pode, potencialmente, espalhar o conflito para além das fronteiras da Síria.
Um ataque aumentaria a violência e deflagraria uma nova onda de terrorismo.
Ele poderia minar esforços multilaterais para resolver o problema nuclear iraniano e o conflito Israel-Palestina além de desestabilizar o Oriente Médio e o Norte da África.
Ele poderia desequilibrar todo o sistema internacional de lei e de ordem.
A Síria não está assistindo a uma batalha pela democracia, mas a um conflito armado entre o governo e a oposição em um país multirreligioso.
Existem alguns defensores da democracia na Síria. Mas há um número mais do que suficiente de rebeldes e extremistas da Al Qaeda de todos os tipos lutando contra o governo.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos designou a Frente Al Nusra, o Estado Islâmico do Iraque e o Levante, que lutam do lado da oposição, como organizações terroristas.
Esse conflito interno, alimentado por armas estrangeiras fornecidas à oposição, é um dos mais sangrentos do mundo.
Mercenários de países árabes que estão lutando lá, e centenas de militantes de países ocidentais e até mesmo da Rússia, são assuntos que nos preocupam profundamente.
Será que eles retornarão a seus países com experiência adquirida na Síria?
Afinal, depois de lutar na Líbia, extremistas se deslocaram para o Mali.
Isso nos ameaça a todos.
De fora, a Rússia defendeu o diálogo pacífico permitindo aos sírios desenvolver um plano de compromisso para seu próprio futuro. Nós não estamos protegendo o governo da Síria, mas a lei internacional.
Nós precisamos usar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e acreditamos que preservar a lei e a ordem no complexo e turbulento mundo de hoje é uma das poucas formas de evitar que as relações internacionais deslizem para o caos.
A lei ainda é a lei, e nós devemos seguí-la gostemos dela ou não.
De acordo com a atual lei internacional, o uso da força só é permitido em defesa própria ou por decisão do Conselho de Segurança.
Qualquer outro motivo é inaceitável, de acordo com o estatuto das Nações Unidas, e se constituiria em um ato de agressão.
Ninguém duvida que gás venenoso foi usado na Síria. Mas existe muita razão para se acreditar que ele foi usado não pelo Exército Sírio, mas pelas forças de oposição, para provocar uma intervenção de patronos estrangeiros poderosos, que tomariam o partido dos fundamentalistas.
Informes de que militantes estão preparando outro ataque – desta vez contra Israel – não podem ser ignorados.
É alarmante que a intervenção militar em conflitos internos de países estrangeiros tenha se tornado comum para os Estados Unidos.
É de interesse dos Estados Unidos no longo prazo? Eu duvido.
Milhões, no mundo, cada vez mais veem os Estados Unidos não como modelo de democracia, mas se apoiando somente na força bruta, formando coalizões sob o slogan “ou você está conosco ou contra nós”.
Mas a força tem se mostrado ineficiente e sem sentido.
O Afeganistão está cambaleando e ninguém sabe dizer o que vai acontecer quando as forças internacionais forem embora.
A Líbia está dividida em tribos e clãs.
No Iraque, a guerra civil continua, com dúzias de mortes todos os dias.
Nos Estados Unidos, muitos fazem uma analogia entre o Iraque e a Síria, e perguntam por que seu governo gostaria de repetir um erro recente.
Não importa quanto precisos os ataques ou quão sofisticadas as armas, as mortes de civis são inevitáveis, incluindo idosos e crianças que o ataque tem como objetivo proteger.
O mundo reage perguntando: se você não pode contar com a lei internacional, então deve encontrar outras formas de garantir a sua segurança.
Daí o crescimento do número de países que estão tentando adquirir armas de destruição em massa. Existe uma lógica: se você tem a bomba, ninguém vai tocar em você.
Resta-nos a conversa sobre a necessidade de fortalecer a não-proliferação, quando na realidade ela está sendo erodida.
Nós temos de parar de usar a linguagem da força e voltar ao caminho da diplomacia civilizada e dos acordos políticos.
Uma nova oportunidade para evitar a ação militar surgiu nos últimos dias.
Os Estados Unidos, a Rússia e todos os membros da comunidade internacional devem abraçar a oportunidade da intenção do governo sírio de colocar seu arsenal químico sob o controle internacional para subsequente destruição.
A julgar pelas declarações do presidente Obama, os Estados Unidos veem esta como uma alternativa à ação militar.
Eu dou as boas vindas ao interesse do presidente em continuar o diálogo com Rússia e Síria.
Nós devemos trabalhar juntos para manter viva essa esperança, como concordamos no encontro do G8 em Lough Erne na Irlanda do Norte em junho, e levar a discussão de volta para as negociações.
Se pudermos evitar o uso da força contra a Síria, isso vai melhorar a atmosfera das relações internacionais e fortalecer a confiança mútua.
Será nosso sucesso coletivo e abrirá as portas para a cooperação em outros assuntos críticos.
Meu trabalho e minha relação pessoal com o presidente Obama são marcados por uma confiança crescente. Eu sou grato por isso.
Eu estudei cuidadosamente seu discurso à nação na terça-feira. E discordaria de um argumento que ele apresentou sobre o excepcionalismo americano, afirmando que a política dos Estados Unidos é “o que torna os Estados Unidos diferentes, é o que nos torna excepcionais”.
É muito perigoso encorajar as pessoas a se verem como excepcionais, seja qual for a motivação.
Existem países grandes e pequenos, ricos e pobres, aqueles que têm uma longa tradição democrática e os que estão ainda encontrando o caminho da democracia.
Suas políticas também são diferentes. Nós somos todos diferentes, mas quando pedimos ao Senhor suas bênçãos, não devemos nos esquecer de que Deus nos criou todos iguais.
A.G.
Foi assunto na blogosfera norte-americana o dia inteiro e provocou até mesmo uma explicação do jornal.
Margaret Sullivan, ombudsman, publicou um post no site do Times para explicar como e porque a publicação decidiu postar, ontem à noite — e publicar hoje no jornal impresso — o artigo assinado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Ela conta que na última quarta-feira o editor da página de opiniões e editoriais, Andrew Rosenthal, recebeu um telefonema da empresa de relações públicas americana que representa Vladimir Putin oferecendo o artigo.
Ele estava tão bem escrito e a argumentação era tão forte que Rosenthal decidiu publicar.
A repercussão foi enorme. Segundo o Times, nos últimos tempos foram poucos os artigos que receberam tanta atenção imediatamente.
Só se compara aos que foram escritos por Mona Simpson, irmã de Steve Jobs; Angelina Jolie sobre a mastectomia dupla à qual se submeteu e ao artigo de Greg Smith contando porque pediu demissão do banco Goldman Sachs.
Um pedido de cautela, da Rússia
As nossas relações passaram por estágios distintos. Estivemos uns contra os outros durante a Guerra Fria. Mas também já fomos aliados, e derrotamos os nazistas juntos.
A organização universal internacional – as Nações Unidas – foi estabelecida para evitar que devastações como esta acontecessem novamente.
Os fundadores das Nações Unidos entenderam que as decisões que afetam a guerra e a paz devem ser tomadas apenas por consenso, e com o consentimento norte-americano o veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança foi preservado no Estatuto das Nações Unidas.
A sabedoria profunda dessa decisão sustentou a estabilidade das relações internacionais por décadas.
Ninguém quer que as Nações Unidas sofram a mesma sorte da Liga das Nações, que desmoronou por não ter alavancagem real. Isso é possível se países influentes ignorarem as Nações Unidas e agirem militarmente sem a autorização do Conselho de Segurança.
O ataque potencial dos Estados Unidos contra a Síria, apesar da forte oposição de vários países e grandes líderes políticos e religiosos, incluindo o Papa, resultará em um aumento do número de vítimas inocentes e pode, potencialmente, espalhar o conflito para além das fronteiras da Síria.
Um ataque aumentaria a violência e deflagraria uma nova onda de terrorismo.
Ele poderia minar esforços multilaterais para resolver o problema nuclear iraniano e o conflito Israel-Palestina além de desestabilizar o Oriente Médio e o Norte da África.
Ele poderia desequilibrar todo o sistema internacional de lei e de ordem.
A Síria não está assistindo a uma batalha pela democracia, mas a um conflito armado entre o governo e a oposição em um país multirreligioso.
Existem alguns defensores da democracia na Síria. Mas há um número mais do que suficiente de rebeldes e extremistas da Al Qaeda de todos os tipos lutando contra o governo.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos designou a Frente Al Nusra, o Estado Islâmico do Iraque e o Levante, que lutam do lado da oposição, como organizações terroristas.
Esse conflito interno, alimentado por armas estrangeiras fornecidas à oposição, é um dos mais sangrentos do mundo.
Mercenários de países árabes que estão lutando lá, e centenas de militantes de países ocidentais e até mesmo da Rússia, são assuntos que nos preocupam profundamente.
Será que eles retornarão a seus países com experiência adquirida na Síria?
Afinal, depois de lutar na Líbia, extremistas se deslocaram para o Mali.
Isso nos ameaça a todos.
De fora, a Rússia defendeu o diálogo pacífico permitindo aos sírios desenvolver um plano de compromisso para seu próprio futuro. Nós não estamos protegendo o governo da Síria, mas a lei internacional.
Nós precisamos usar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e acreditamos que preservar a lei e a ordem no complexo e turbulento mundo de hoje é uma das poucas formas de evitar que as relações internacionais deslizem para o caos.
A lei ainda é a lei, e nós devemos seguí-la gostemos dela ou não.
De acordo com a atual lei internacional, o uso da força só é permitido em defesa própria ou por decisão do Conselho de Segurança.
Qualquer outro motivo é inaceitável, de acordo com o estatuto das Nações Unidas, e se constituiria em um ato de agressão.
Ninguém duvida que gás venenoso foi usado na Síria. Mas existe muita razão para se acreditar que ele foi usado não pelo Exército Sírio, mas pelas forças de oposição, para provocar uma intervenção de patronos estrangeiros poderosos, que tomariam o partido dos fundamentalistas.
Informes de que militantes estão preparando outro ataque – desta vez contra Israel – não podem ser ignorados.
É alarmante que a intervenção militar em conflitos internos de países estrangeiros tenha se tornado comum para os Estados Unidos.
É de interesse dos Estados Unidos no longo prazo? Eu duvido.
Milhões, no mundo, cada vez mais veem os Estados Unidos não como modelo de democracia, mas se apoiando somente na força bruta, formando coalizões sob o slogan “ou você está conosco ou contra nós”.
Mas a força tem se mostrado ineficiente e sem sentido.
O Afeganistão está cambaleando e ninguém sabe dizer o que vai acontecer quando as forças internacionais forem embora.
A Líbia está dividida em tribos e clãs.
No Iraque, a guerra civil continua, com dúzias de mortes todos os dias.
Nos Estados Unidos, muitos fazem uma analogia entre o Iraque e a Síria, e perguntam por que seu governo gostaria de repetir um erro recente.
Não importa quanto precisos os ataques ou quão sofisticadas as armas, as mortes de civis são inevitáveis, incluindo idosos e crianças que o ataque tem como objetivo proteger.
O mundo reage perguntando: se você não pode contar com a lei internacional, então deve encontrar outras formas de garantir a sua segurança.
Daí o crescimento do número de países que estão tentando adquirir armas de destruição em massa. Existe uma lógica: se você tem a bomba, ninguém vai tocar em você.
Resta-nos a conversa sobre a necessidade de fortalecer a não-proliferação, quando na realidade ela está sendo erodida.
Nós temos de parar de usar a linguagem da força e voltar ao caminho da diplomacia civilizada e dos acordos políticos.
Uma nova oportunidade para evitar a ação militar surgiu nos últimos dias.
Os Estados Unidos, a Rússia e todos os membros da comunidade internacional devem abraçar a oportunidade da intenção do governo sírio de colocar seu arsenal químico sob o controle internacional para subsequente destruição.
A julgar pelas declarações do presidente Obama, os Estados Unidos veem esta como uma alternativa à ação militar.
Eu dou as boas vindas ao interesse do presidente em continuar o diálogo com Rússia e Síria.
Nós devemos trabalhar juntos para manter viva essa esperança, como concordamos no encontro do G8 em Lough Erne na Irlanda do Norte em junho, e levar a discussão de volta para as negociações.
Se pudermos evitar o uso da força contra a Síria, isso vai melhorar a atmosfera das relações internacionais e fortalecer a confiança mútua.
Será nosso sucesso coletivo e abrirá as portas para a cooperação em outros assuntos críticos.
Meu trabalho e minha relação pessoal com o presidente Obama são marcados por uma confiança crescente. Eu sou grato por isso.
Eu estudei cuidadosamente seu discurso à nação na terça-feira. E discordaria de um argumento que ele apresentou sobre o excepcionalismo americano, afirmando que a política dos Estados Unidos é “o que torna os Estados Unidos diferentes, é o que nos torna excepcionais”.
É muito perigoso encorajar as pessoas a se verem como excepcionais, seja qual for a motivação.
Existem países grandes e pequenos, ricos e pobres, aqueles que têm uma longa tradição democrática e os que estão ainda encontrando o caminho da democracia.
Suas políticas também são diferentes. Nós somos todos diferentes, mas quando pedimos ao Senhor suas bênçãos, não devemos nos esquecer de que Deus nos criou todos iguais.
A.G.
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