Rebekah, a queridinha de
Murdoch e Rainha dos Tabloides, acabou dançando.
Regular a mídia é vital para torná-la melhor e falar em
“censura” é cinismo paralisador.
E eis que o mundo todo discute os limites da mídia. A discussão mais rica
se dá no Reino Unido. O juiz Brian Leveson fez recomendações depois de ficar
mais de um ano ouvindo pessoas de alguma forma envolvidas com a mídia.
Políticos, jornalistas, donos de empresas de jornalismo, celebridades cuja
privacidade desapareceu, cidadãos comuns cuja vida a imprensa transformou num
inferno – Leveson teve material para publicar um relatório de 2 mil páginas,
divulgado na semana passada.
A recomendação principal: a formação de um órgão regulamentador
independente. A autorregulamentação foi um fracasso e as provas disso estão no
comportamento da própria mídia britânica.
Para ficar num só caso. A ex-rainha dos tabloides, Rebekah Brooks, a
queridinha de Rupert Murdoch, está escrencadíssima na justiça britânica.
Rebekah está sendo processada sob duas acusações: a) esconder provas no caso de
invasão de caixas postais; e b) subornar policiais.
Fiscais não se autofiscalizam. Exclamação.
Cameron deixou claro seu apoio à essência das recomendações de Leveson.
1. A
independência do novo órgão regulador em relação às empresas de jornalismo. A
independência deve ser estendida, naturalmente, a outros centros de poder. O
órgão não pode estar sob a tutela nem do Parlamento e nem do governo. Mas de
novo: também não pode estar sob o controle das empresas de mídia.
2. Multas
na “casa do milhão de libras”, quando for o caso.
3. Retificações
rápidas e em lugar de grande destaque.
É mais ou menos o que se tem na Dinamarca, conforme já escrevi neste
Diário. As reparações são feitas na primeira página dos jornais.
A opinião pública britânica apoia maciçamente o Relatório Leveson. Os
ingleses já estavam enojados dos excessos da mídia. Cameron esboçou fazer
reparos a Leveson e a voz rouca das ruas se levantou: o senhor tem que defender
o povo da mídia, e não a mídia do povo. Cameron então deixou claro que está com
Leveson.
No Brasil, vigora a autorregulamentação.
Funciona?
As próprias empresas colocam freios? Discutem, debatem, prestam contas
para a sociedade? Num caso particularmente rumoroso, um repórter tentou invadir
o quarto de um político em Brasília. Pode? Não pode? O assunto foi ao menos
discutido pela mídia, ainda que fosse para aprovar a conduta do repórter e da
publicação?
Liberdade de expressão não é algo que possa ser invocado para garantir que
a mídia esteja acima da sociedade – e da lei.
Um juiz norte-americano, numa comparação que ficaria célebre, escreveu que
alguém que gritasse fogo num ambiente lotado e fechado não poderia depois
invocar a liberdade de expressão para escapar das consequências da tragédia que
possivelmente provocaria.
Depois de ver o debate britânico, é lastimável ouvir platitudes como as
pronunciadas – sob ampla cobertura – dias atrás pelo juiz Ayres Britto.
Britto, que acaba de se aposentar do STF aos 70 anos, fez a defesa da
liberdade de imprensa, mas com uma superficialidade que é chocante, primária,
infantil quando contrastada com a mesma defesa da liberdade de imprensa feita
pelo seu colega britânico Brian Leveson. “É um direito pleno”, afirmou ele.
Sob Pinochet, ou mesmo sob Geisel, Britto mereceria aplausos. Mas, numa
democracia em que uma imprensa livre é um fato da vida, eis uma frase
superiormente tola, e que esconde a real pergunta: qual o padrão ético da mídia
tradicional brasileira, se é que existe algum?
No Reino Unido, Leveson não caiu na falácia de que liberdade de imprensa
significa licença para matar. A sociedade tem que ser protegida dos excessos da
mídia. Ou então a mídia presta um formidável desserviço ao interesse público.
O que leva Britto a fugir do real debate – não a liberdade de imprensa, a
favor da qual somos todos, vertebrados e invertebrados, mas a melhor maneira de
evitar seus excessos?
Britto tem uma história complicada na família. Em 2009, um genro seu foi
flagrado numa conversa comprometedora com um político corrupto. Britto seria um
dos juízes no julgamento do político e o genro usou seu nome. O caso virou
manchete, justificadamente. E Britto, também justificadamente, disse que não
podia responder pelo genro.
Britto teria ficado intimidado? É uma possibilidade. Ele foi o principal
responsável pelo fim da Lei da Imprensa, editada na era militar, e diz que
aquela é sua maior contribuição ao País. Um instante: ao País? Que Leveson diga
mais ou menos o mesmo na Inglaterra – não fará por modéstia e decoro – se
compreenderia. Ele enfrentou a ira e o poder de Murdoch, por exemplo.
Britto não é Leveson.
Com o fim da ditadura, a Lei da Imprensa já não causava cócegas a nenhuma
empresa jornalística e também a nenhum jornalista. Era um cadáver jurídico.
Para lembrar: a Lei da Imprensa vigorava quando Paulo Francis caluniou
diretores da Petrobras. Mas estes, sabendo o quanto ela era inoperante, foram
processar Francis na justiça norte-americana, uma vez que ele fizera as
acusações em solo dos Estados Unidos. Francis ficou desesperado ao lidar com
uma justiça que exigia provas para assassinato de caráter, e que cobrava pesado
pela ausência delas. Morreu disso, segundo os amigos.
A morte de uma lei já morta trouxe um efeito colateral nocivo à sociedade.
Sumiu, com a Lei da Imprensa, o direito de resposta. O que significa que a
sociedade ficou desprotegida.
Britto se despediu da ativa com esse passivo enorme no currículo, e
repetindo lugares-comuns que não reforçam a imagem da justiça brasileira e de
seus mais elevados expoentes – a despeito do espaço generoso que os jornais
dedicam a seu palavrório oco.
T. M.
Sem comentários:
Enviar um comentário