Como a ilha de Chipre se tornou numa máquina de lavagem e
dinheiro e fuga fiscal para os oligarcas russos - e faz com que a Zona Euro,
com a Alemanha à cabeça, arrisque uma guerra comercial com Moscovo
Não é de hoje a ligação de Chipre
aos negócios duvidosos envolvendo a indústria da banca e da alta finança. Foi
em 1992 que o carniceiro sérvio Slobodan Milosevic começou a desviar o dinheiro
- mais de 800 milhões de dólares - que contava lhe servisse de almofada para a
reforma e para negócios de armas duvidosos e que acabou a bordo de um avião de
carga com destino a Larnaca, no centro-sul do país.
Porquê? Porque, segundo os
relatos da época, a ilha era já um "porto de entrada" de dinheiro
negro no resto do mundo. Aqui e na sua "irmã" Grécia, segundo a
documentação constante do processo em Haia contra Milosevic, foram criadas oito
empresas-fantasma - uma das quais registada em nome de Tassos Papadopoulos, que
viria a ser Presidente da República grega, de 2003 a 2008, - e 350 contas
bancárias fictícias. Estas serviriam para transferir capital para outros
paraísos fiscais mais recomendáveis e estabelecidos: Suíça, Mónaco e
Liechtenstein.
A União Soviética tinha caído um
ano antes (1991), oportunistas fazem fortuna, à custa dos despojos do Estado.
Começam a circular, em Chipre, eslavos e russos endinheirados. Generais,
traficantes de armas e drogas, oligarcas e toda a espécie de novos-ricos chegam
em aviões privados, deslocam-se de limusina e chofer e apresentam-se à porta
dos bancos com malas negras contendo dezenas de milhões de dólares em notas -
algumas provenientes do tráfico de armas para o Médio Oriente e ainda
comprimidas pelas fitas de selagem da reserva federal norte-americana. Um clima
fantástico, praias maravilhosas e um saber viver grego - além de um IRC de
apenas 10%, o mais baixo da Europa - agradam a qualquer um. As afinidades
religiosas, uma herança britânica de leis pragmáticas, pouca burocracia e
justiça eficiente, ajudaram a compor a estranha aliança entre financeiros e
advogados cipriotas e criminosos e multimilionários russófilos.
A perspetiva da adoção da moeda
única (em 2008) viria a conferir adicional respeitabilidade à ilha que viu
nascer Afrodite. Os russos procuravam garantias contra processos kafkianos como
o que Putine montou contra Khodorkovsky, ou contra o recém-falecido Berezovsky
-os multimilionários que se viraram contra o líder - e que tiveram o condão de
mostrar aos oligarcas que quem manda na Rússia ainda é o KGB (não por acaso,
uma das críticas moscovitas à UE refere-se ao "eurobolchevismo" da
taxa sobre os depósitos). Chipre tornou-se, assim, o destino ideal para
capitais da ex-URSS e, em 2005, a três anos da adesão ao euro, o número de
empresas com sede no paraíso fiscal atingia 14 500 - um pulo de 70% em relação
a 2002. Boa parte delas, russas, já se sabe. Durante anos, o setor financeiro
não parou de crescer em Chipre, a ponto de os depósitos russos, sozinhos, serem
superiores ao PIB da ilha (30 mil milhões para 23 mil milhões de
dólares).
Armas para a Síria
Mesmo com a adoção teórica de
medidas destinadas a lutar contra o branqueamento de capitais, os negócios
duvidosos não pararam: o nome de Chipre surgiu associado ao escândalo
"Petróleo por Alimentos", operação que vigorou entre 1996 e 2003, e
mediante a qual Saddam Hussein continuou a obter receitas, apesar das sanções
internacionais impostas ao Iraque. A mesma coisa sucedeu com o affair Magnitsky, nome do advogado,
entretanto falecido de doença e sem auxílio, numa prisão russa, que estava a
investigar uma fraude fiscal de milhões de euros, envolvendo bancos de Chipre,
o FSB, sucessor do KGB, o Ministério do Interior da Rússia e a máfia russa. Em
2011, Chipre surge de novo sob as luzes da ribalta por causa de negócios sujos,
desta feita devido ao caso do cargueiro MS
Chariot, apresado na ilha com um carregamento de 60 toneladas de armas da
Rosoboronexpor, o braço de Moscovo para o fabrico de armamento, mas que as
autoridades cipriotas deixaram seguir viagem com destino à Síria, apesar do
embargo militar internacional ao regime de Bashar al-Assad...
Com a exportação da crise do
subprime para a Europa, os bancos e instituições financeiras de Chipre, que já
estavam sobredimensionados em relação à economia da ilha (com receitas sete
vezes superiores ao PIB), foram ainda sobrecarregados com a falta de pagamento
da dívida grega. O ex--Presidente Demetris Christofias, um comunista que se
definia a si próprio como a "ovelha vermelha da Europa", tinha ótimas
relações com Moscovo. Resistiu a um resgate e conseguiu aguentar o barco até às
ultimas eleições, há pouco mais de um mês, com um empréstimo de Moscovo no
valor de 2,5 mil milhões de euros, efetuado em 2011, por quatro
anos. Mas, em janeiro, as más notícias começaram a acumular-se: as
receitas dos impostos - IVA, Imposto Automóvel, Taxas Aduaneiras - desataram a
cair a pique, entre 4% e 40%, no caso dos automóveis. Globalmente, o Estado
cipriota, já endividado, via o dinheiro de que dispunha baixar 2,6% num só ano.
O resgate era inevitável e toda a gente o sabia. O atual Presidente, Nicos
Anastasiades, foi eleito prometendo não tocar nos depósitos...
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=Visão=
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