É preciso estudar os
fenômenos concretos para extrair deles os fatos relevantes
Fábio
de Oliveira Ribeiro, via Centro de Mídia Independente
Há alguns dias, a mídia deu muita atenção à prisão dos
neonazistas que atuavam na internet e pouco ou nenhuma atenção à manifestação
antiaborto dos jovens da TFP na frente da Igreja da Sé.
Os estudos de Marx sobre ideologia são muito interessantes. Seu
diatribe contra o idealismo alemão de Feuerbach também. Mas Marx nunca se
interessou em estudar como e por que a ideologia desloca os indivíduos da
realidade. Ele aceitou o fato de que a ideologia produzia este deslocamento e
seguiu em frente.
A ideologia, penso, tem o poder de deslocar o indivíduo no tempo
e no espaço.
Alguns hospedeiros da ideologia cristã vivem como se estivessem
na Idade Média combatendo infiéis. Então, onde quer que não encontrem um
espelho perfeito, ou seja, alguém que reflita sua própria ideologia cristã
excludente e intolerante, eles identificam um infiel que deve ser combatido e
destruído. No limite, partem para a guerra santa como Breivik e os fervorosos soldados norte-americanos que participaram da
cruzada bushiana no Afeganistão e no Iraque.
Os hospedeiros da ideologia nazista querem se comportar como se
ainda estivéssemos vivendo na Guerra Fria ou pouco antes desta. Mas no caso
deles o deslocamento espaço/temporal não pode ser feito com a mesma eficácia
que aquela que ocorre no caso do fanático cristão. Isto ocorre porque o combate
ao comunismo internacional caducou em razão do fim da URSS, por causa da
penúria econômica de Cuba e Coreia do Norte e, principalmente, porque os
partidos comunistas ocidentais se acomodaram muito bem à vida capitalista (até
os comunistas chineses são capitalistas fervorosos atualmente).
O anticomunismo neonazista se tornou menos importante que o ódio
racial. Mas o próprio conceito de raça não se ajusta bem ao momento presente ou
ao espaço geográfico/humano brasileiro. Ao contrário do que ocorria nos anos
1930, a “raça” deixou de ser uma categoria científica importante ou
reconhecida. No Brasil a miscigenação é o fator populacional dominante. Raça e
pureza racial aqui são coisas senão impensáveis, impossíveis de vingar como
plataforma político-partidária. Então o ódio racial político do neonazista
deriva para um ódio irracional de natureza sexual (contra gays e mulheres) e
para o preconceito irracional (contra negros e nordestinos num país que teve
seu apogeu econômico no passado justamente no Nordeste e em que o elemento
negro é uma das três matrizes populacionais dominantes no presente).
Dos dois tipos de ideologia no momento a mais perigosa não é a
nazista. Ela pode no máximo provocar distúrbios localizados e criminalidade
comum. A única ideologia intolerante que ultimamente tem demonstrado potencial
político (caso dos EUA e em menor escala do Brasil, onde o abordo vem sendo
transformado de questão religiosa em questão politico/partidária) e que pode
provocar distúrbios em escala regional e até nacional é o fanatismo cristão.
Neste caso o deslocamento espaço/temporal ocorre de maneira perfeita e o infiel
(o adversário) está aqui e pode ser identificado de maneira fácil com aquele
que apoia o abordo, por exemplo. Como o Brasil é um país predominantemente
católico o fenômeno da intolerância política de matriz religiosa (ou o fenômeno
da intolerância religiosa com consequências políticas) pode expandir e se
transformar numa força explosiva.
Portanto, mais perigosos que os neonazistas que foram presos
pela PF são aqueles garotos bonitos da TFP na frente da Igreja da Sé. É com
eles que a mídia e a PF deveriam se preocupar.
T. M.
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