A renúncia histórica do papa Bento XVI, anunciada por
ele ,mesmo em 11 de fevereiro [de 2013], foi uma surpresa para a grande maioria
dos fiéis. Há 598 anos um papa não deixava o seu cargo, ... Por isso, a
imprensa do mundo inteiro destacou como histórica essa renúncia que, na
realidade, foi uma abdicação, já que o Vaticano é uma monarquia absoluta.
(...)
... em 10 de fevereiro de 2012, o jornal italiano Il Fatto Quotidiano publicava uma capa que
fez literalmente tremer a imponente colunata de Bernini na Praça de São Pedro,
em Roma: "O plano para matar o papa, Bento XVI vai morrer em 12
meses". A fonte do furo era uma nota entregue ao papa pelo cardeal
colombiano Darío Castrillon Hoyos. No bilhete, havia uma síntese das
palavras pronunciadas pelo cardeal de Palermo, Paolo Romeo, durante uma viagem
à China do alto prelado, meses antes. Uma viagem misteriosa, durante a
qual o cardeal encontrou vários empresários italianos não especificados, e
soltou a bomba: "O papa vai morrer dentro de 12 meses e o seu
sucessor será o bispo de Milão, o cardeal Angelo Scola".
Scola figura hoje entre os "papáveis",
favoritos à sucessão de Ratzinger. Ele também é muito próximo ao
movimento religioso Comunhão e Libertação, rebatizado por jornalistas italianos
como Comunhão e Faturamento, por causa dos tantos escândalos financeiros e de
lavagem de dinheiro que ultimamente envolveram vários de seus membros
importantes, começando pelo governador da região da Lombardia, Roberto
Formigoni.
A nota entregue ao papa pelo cardeal colombiano era o
bilhete de uma testemunha da visita de Romeo à China. Havia outro
conteúdo importante, possivelmente decisivo para a renúncia recente: as
lutas ferozes que dividem a Cúria Romana e o ódio que marca a relação entre
Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, e o papa. Se o
bilhete, mais parecido com um pizzino da
Máfia do que um informe papal, era autêntico ou não, ninguém no Vaticano quis comentar
na época . O certo é que, antes de ser publicado na ínegra há um ano por Il Fatto Quotidiano, o documento chegou ao papa, que, ao
recebê-lo em janeiro do ano passado, "deve ter pulado na cadeira",
como escreveu o jornalista Marco Lillo.
Será que Bento XVI, ao recordar também a morte suspeita
de Albino Luciani, o papa que queria "limpar" o IOR, o Banco do
Vaticano, quis abdicar quando venciam os 12 meses a separarem a sorte do
indivíduo Joseph Ratzinger daquela do antecessor de João Paulo II? A indagação
é comum entre os vaticanistas ouvidos por CartaCapital.
Dizer que o papa Ratzinger renunciou por razões de saúde
parece difícil de acreditar. Seu irmão Georg, poucas horas depois da
abdicação, esclareceu à imprensa alemã que a saúde de joseph é boa e não
preocupa. Quais serão as possíveis causas e que problemas perturbaram
tanto o papa nos últimos meses para que ele deixasse o cargo?
Uma parte dos problemas de Bento XVI deriva, sem dúvida,
do IOR, o Instituto para as Obras Religiosas, conhecido mundialmente como Banco
do Vaticano, no centro de polêmicas desde sua fundação. Constituído no
dia 27 de junho de 1942 pelo papa Pio XII, quando já era claro que o fascismo
se aproximava do desastre, destinava-se a administrar um patrimônio notável,
baseado na fortuna filha dos Pactos de Latrão selados em 1929 entre Pio XI e o
ditador Mussolini. O acordo garantiu ao Estado papal 1 bilhão de liras em
títulos de Estado com juros de 5% ao ano, mais 750 milhões de liras em dinheiro
vivo. Um total atualizado que hoje representa mais de 5 bilhões de reais.
O historiador de Cambridge John Pollard escreveu em seu
livro Money
and the Rise of the Modern Papacy (O
Dinheiro e o Nascimento do Papado Moderno, 2008):
"Depois disso, os papas nunca mais seriam novamente pobres".
Conceito confirmado com luxo de detalhes pelo jornalista
investigativo Jean François Tanda, publicado há um mês [janeiro de 2013] no The Guardian,
para desagrado, certamente, de Bento XVI. Sob o título "Como o
Vaticano construiu um império secreto usando os milhões de Mussolini",
Tanda indaga sobre a finança muito criativa de Beniamino Nogara, engenheiro
escolhido pelo papa Pio XII para administrar o dinheiro entregue pelo ditador.
E Nogara, o primeiro "Banqueiro de Deus" - o
segundo será Paul Marcinkus, intimamente ligado à Maçonaria, vizinho de casa de
Al Capone na nativa Chicago e diretor do IOR na época do escândalo da quebra do
Banco Ambrosiano no começo dos anois 80 -, consegue com uma série de
operações ilegais por meio da empresa suíça Profima S.A. investir em alguns dos
imóveis londrinos.
Quem poderia imaginar que, graças ao dinheiro de
Mussolini, hoje o Vaticano é dono de prédios luxuosos em Bond Street, onde a
Bvlgari vende suas joias? E quem sabia que no cruzamento de St.James
Square e Pall Mall, o belíssimo edifício onde se instala o Capital Altium, um
dos bancos de investimento mais prestigiados de Londres, é também de
propriedade da dita Santa Sé?
O jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano,
reagiu duramente a Tanda e negou tudo: "Furo nenhum, tudo já era
conhecido, vocês distorcem a história". Tal a síntese do editorial
do diretor Gian Maria Vian. Na realidade, ninguém sabia que o Vaticano
possui até hoje imóveis no epicentro da moda e do luxo em Londres,
adquiridos com dinheiro fascista.
"O fato curioso é que quase a mesma reportagem saiu
em outubro no jornal suíço de fala alemã Handelszeitung
- só que aí eu fiz a lista dos imóveis de luxo de propriedade da Santa Sé
em Lausanne, e não houve problema nenhum. Nenhum sacerdote protestou.
Agora, quando publiquei a lista inglesa no The
Guardian...", afirmou Tanda a CartaCapital.
"Depois de Jesus Cristo, a melhor coisa que
aconteceu com a Igreja Católica foi Bernardino Nogara", dizia o
cardeal Francis Spellman, poderoso arcebispo de Nova York, que costumava
abençoar as bombas atiradas pelos americanos sobre os guerrilheiros vietcong.
O jornalista Gianluigi Nuzzi, no livro Vaticano
S.A., soletra que na conta da fundação dedicada a
Spellman e aberta no IOR, passaram mais de 40 bilhões de velhas liras em poucos
anos. Tudo de forma oculta e sem que se pudesse identificar a
procedência. Por isso e por muitas maracutaias suplementares, desde 2009
a Justiça italiana está investigando o banco, e a acusação é clara:
violação das leis contra a reciclagem de capitais.
No ano passado, Nuzzi publicou outro livro, Sua
Santità. Contém cartas inéditas saídas do quarto do papa pela mão do
seu célebre mordomo, pelas quais bem se entende como inúmeros altos prelados,
inclusive muitos cardeais, não querem colaborar com a Justiça italiana,
contrariando a transparência financeira muitas vezes invocada por Bento XVI.
Entre outras cartas, havia também uma do monsenhor Carlo Maria Viganò,
responsável pelo orçamento do Vaticano, que denunciava um esquema de corrupção
milionário a envolver o alto clero. O resultado foi a remoção de Viganò
para os Estados Unidos, na qualidade de núncio apostólico. "Promover
para remover", reza o ditado latino.
"O IOR deve ser totalmente reformado. A
Igreja não deve ter poder ou possuir riqueza. O mundo precisa saber a
finalidade do IOR, como o dinheiro é arrecadado e como é gasto. temos de garantir
a transparência", declarou o cardeal Albino Luciani antes de ser eleito
papa em 1978. João Paulo I morreu misteriosamente 33 dias depois da sua
eleição. E igual a Joseph Ratzinger, queria a transparência das contas.
[Revista CartaCapital nº 736, de 20/02/2013, págs.
56/8].
M. N. C.