O mordomo Paolo Gabriele vasculhou os arquivos do
Vaticano e descobriu coisas que comprometem Bento 16 e muitos cardeais.
Documentos contrabandeados
para fora do Vaticano com revelações escabrosas deixaram Bento 16 mal na fita.
Pedro Porfírio em seu blog
Bem que eu imaginava inútil
escrever em plena esbórnia momesca. Mas a insólita renúncia do papa Bento 16,
coisa que não acontecia desde antes da “descoberta” do Brasil, me obrigou a
voltar ao sagrado ofício (meu), principalmente diante do monte de abobrinhas
espargidas desde o anúncio patético por uma mídia entre desinformada e
superficial.
Trata-se de um assunto
delicado, porque envolve o sumo pontífice, ou seja, alguém que é visto como um
semideus e está acima do bem e do mal perante 1 bilhão de seres humanos, entre
os quais 123 milhões de brasileiros.
Mas a verdade verdadeira é que
a rocambolesca decisão do velho chefe da Igreja católica tem pouco a ver com a
versão oficial: ele estaria sem forças para conduzir o rebanho, o que não
aconteceu com Leão 13, que foi papa até os 93 anos.
Como se fosse a própria morte
E uma renúncia dessas tem o
impacto das próprias exéquias. O último papa que renunciou foi Gregório 12
(1406 a 1415), que viveu o chamado Grande Cisma do Ocidente, quando três papas
se diziam chefe da Igreja Católica: além de Gregório 12, o papa de Roma; Bento
13, o papa de Avignon; e o chamado “antipapa” João 23. Com o concílio de
Constança, o imperador Sigismundo obrigou os três pontífices a renunciar, mas
só Gregório 12 obedeceu e, depois dele, foi eleito Martinho 5º.
Mesmo apesar do clima de apoplética
perplexidade no mundo ocidental e cristão, sou forçado a informar que Bento 16
foi “derrubado” pelos mais de mil documentos secretos que seu mordomo Paolo
Gabriele subtraiu dos cofres do Vaticano e fez atravessar suas muralhas no
escândalo conhecido como VatiLeaks (referência ao site de denúncias WikiLeaks).
Os documentos vazaram em
janeiro e fevereiro do ano passado. Em 19 de maio, saiu às livrarias o livro Sua Santita, do jornalista Gianluigi
Nuzzi, com uma centena desses documentos que revelam tramas e intrigas na Santa
Sé. Em 25 do mesmo mês, o mordomo foi preso, acusado de ter subtraído essa
preciosa documentação. No mesmo dia, Ettore Gotti Tedesch, homem de confiança
de Bento 16 e presidente do Instituto das Obras da Religião, conhecido por banco
do Vaticano, foi forçado a renunciar ao cargo para o qual havia sido nomeado em
2010.
Em meio a esse inferno astral,
uma rede de tevê italiana divulgou cartas enviadas pelo atual núncio nos
Estados Unidos e ex-secretário-geral do governo da Cidade do Vaticano, Carlo
Maria Vigano, ao papa Bento 16.
Nelas, o prelado denunciava a
“corrupção, prevaricação, má gestão” na administração e troca de favores na
distribuição de contratos de trabalho no Vaticano. Em uma dessas mensagens,
Vigano denunciou que os banqueiros que integram o chamado “Comitê de Finanças e
Gestão” do governo e da Secretaria de Estado “se preocupam mais com seus
interesses do que com os nossos”, e que em dezembro de 2009, em uma operação
financeira, “queimaram [perderam] US$2,5 milhões”.
Tudo resvalou sobre a cabeça
coroada de Bento 16, que já era o homem forte do Vaticano antes mesmo de ser
papa. Como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, uma versão moderna do
Tribunal da Inquisição, durante 20 anos, destacou-se pela perseguição e punição
de centenas de sacerdotes, multiplicando inimigos e desafetos.
No entanto, foi a posse de
dossiês sobre a vida de dezenas de cardeais que elevou o alemão Joseph Alois
Ratzinger, ex-membro da Juventude Hitlerista, à condição de papa em 2005, aos
78 anos, quando já devia ter se aposentado. Mesmo Leão 13, que morreu aos 93
anos, foi feito papa quando tinha 68 anos – dez a menos do que ele.
A morte de João Paulo I, a grande bomba revelada
Nem todos os documentos
vazados são do conhecimento público. Há vários sobre pedofilia e relações
homossexuais na Igreja. O mais grave, porém, é o que revela a verdadeira causa
da morte de João Paulo I, o papa que durou apenas um mês no cargo, em 1978, e
que teria sido envenenado por elementos da Máfia depois que decidiu desmontar a
quadrilha comandada pelo “banqueiro
de Deus” Roberto Calvi, do Banco Ambrosiano, que chefiava um esquema
de desvios de dinheiro da Igreja, e acabou aparecendo morto em 1982, sob uma
ponte de Londres, numa queima de arquivo.
Entre os envolvidos no
esquema, estariam o então secretário de Estado do Vaticano e Camerlengo,
cardeal Jean Villot, o mafioso siciliano Michele Sindona, o cardeal
norte-americano John Cody, na época chefe da arquidiocese de Chicago e o bispo
Paul Marcinkus, então presidente do Banco do Vaticano, bem como supostos
membros da loja maçônica P2, como Licio Gellie e a cúpula da Opus Dei.
Toda a trama foi desvendada
pelo escritor britânico David Yallop, que publicou em 1984 o livro Em nome de Deus (In God’s Name), na qual aponta as
pistas sobre uma conspiração para matar João Paulo I.
Suas descobertas, porém, foram
apontadas pelo Vaticano como sensacionalistas. Mas são expostas em detalhes:
Yallop cita a digitalina (veneno extraído da planta com o mesmo nome) como a
droga usada para pôr fim ao pontificado de João Paulo I. Essa toxina demora
algumas horas para fazer efeito. Yallop defende que uma dose mínima de
digitalina, acrescentada à comida ou à bebida do papa, passaria despercebida e
seria suficiente para levar ao óbito. E para o autor de Em nome de Deus, teria sido muito
fácil, para alguém que conhecesse os acessos à cidade do Vaticano, penetrar nos
aposentos papais e cometer um crime dessa natureza.
Ao contrário de Paulo 6º, que
teve um relatório médico extremamente preciso quando de sua morte (até mesmo os
horários das complicações médicas foram anotados), o mesmo não ocorreu ao João
Paulo I. Seu corpo foi embalsamado imediatamente após o falecimento e as
verdadeiras causas do óbito nunca chegaram ao público. Não é preciso muito
esforço mental, portanto, para imaginar as inúmeras especulações surgidas
acerca do falecimento de um papa que mal sentara no trono e já havia dado
indicações que queria ter uma gestão modesta, tendo dispensado, inclusive, a
cerimônia de coroação.
Defesa dos direitos dos homossexuais, a gota d’água
Desde a prisão do mordomo,
Bento 16 não escondia sua insegurança e um certo estado de depressão. Era visto
com frequência em meditação e isolamento. Uma comissão de três cardeais
nomeadas por ele para investigar a extensão do vazamento chegou a uma dramática
conclusão no início deste ano: tem muita coisa por ser revelada e isso o
afetaria diretamente mais ainda.
Conservador ao extremo, Bento
16 foi desafiado no último dia 5, quando o monsenhor Vicenzo Paglia, presidente
do Pontifício Conselho da Família, surpreendeu o mundo com a defesa do
reconhecimento dos direitos civis dos homossexuais. Há quem diga que essa foi a
gota d’água: ele já não tinha mais o controle de seu próprio séquito.
Tido como expoente de uma nova
Igreja, Paglia foi incisivo: “É preciso encontrar soluções no âmbito do código
civil para garantir questões patrimoniais e facilitar condições de vida para
impedir injustiças com os mais fracos. Infelizmente, não sou um especialista em
direito, mas, pelo que sei, me parece o caminho que precisa ser percorrido.”
Cardeal Ângelo Scola, o próximo papa?
Admite-se que a renúncia dele, agora, faça parte de um acordo. A
partir do dia 28, Joseph Alois Ratzinger deverá recolher-se a um isolamento em
Castel Gandolfe e não poderá ter nenhuma interferência na escolha de seu
sucessor.
Este dificilmente não será um italiano. E para ser arriscado, eu
diria que o novo papa será o cardeal de Milão, Ângelo Scola, de 71 anos, que representaria uma mudança na
relação do Vaticano com outras religiões e uma liberalização na própria vida
sacerdotal. Scola foi um dos fundadores da Oasis Foundation, que procura
aproximar teólogos islâmicos e cristãos e tem ocupado cargos importantes na
hierarquia católica de seu país. Seria o único, desde João Paulo 1º, que
poderia unir a poderosa bancada de cardeais italianos, que representa 25% do
“colégio eleitoral” de 118 eleitores (entre 210 cardeais – muitos com mais de
80 anos, que não votam).
Mesmo sendo considerado mais aberto, sempre foi muito próximo de
Bento 16 e o único italiano a lhe fazer sombra é o cardeal Tarciso Bertone,
número 2 do Vaticano, na condição de secretário de Estado. Mas há quem diga que
alguns dos documentos do mordomo ainda não revelados respingam sobre ele.
Os próximos dias serão decisivos para a Igreja Católica, que
enfrenta a perda de fiéis e de sacerdotes: no Brasil, maior nação católica do
mundo, a previsão estatística é de que em 20 anos os evangélicos serão maioria
entre os cristãos.
A. G.
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