O intelectual norte-americano Noam Chomsky fala
sobre o futuro de seu país.
Os Estados Unidos ainda têm, como antigamente, o mesmo nível de controle
sob os recursos energéticos do Oriente Médio?
Os países que mais
produzem energia continuam firmemente sob controle de ditaduras apoiadas pelas
potências ocidentais. Na verdade, o progresso feito pela Primavera Árabe é
limitado, mas não insignificante. O sistema ditatorial controlado pelo Ocidente
está erodindo há algum tempo. Por exemplo, se você voltar 50 anos, os recursos
energéticos – a principal preocupação dos planejadores norte-americanos –
foram, em sua maioria, nacionalizados. Há tentativas constantes para reverter
isso, mas sem êxito.
Pensemos na invasão
norte-americana ao Iraque, por exemplo. Para todo mundo exceto para um ideólogo
dedicado, estava bem claro que invadimos o Iraque não por nosso amor pela
democracia, e sim porque o país é talvez a segunda ou terceira maior fonte de
petróleo no mundo, e está bem no meio de uma região próspera de produção de
energia. Mas você não deve dizer isso. É considerado uma teoria conspiratória.
Os Estados Unidos foram derrotados no Iraque pelo nacionalismo iraquiano –
principalmente pela resistência sem violência. Os norte-americanos podiam matar
os insurgentes, mas não conseguiram lidar com o meio milhão de pessoas se
manifestando nas ruas.
Passo a passo, o
Iraque foi capaz de desmantelar os comandos colocados no local pelo exército
que o ocupava. Em novembro de 2007, foi ficando bem claro que os
norte-americanos teriam bastante dificuldade em atingir seus objetivos. O
controle do Iraque está desaparecendo diante de nossos olhos. As políticas
norte-americanas permanecem constantes, desde a Segunda Guerra Mundial. Mas a
capacidade de implementá-las está declinando.
Declinando porque a economia enfraqueceu?
Parcialmente porque
o mundo está se diversificando. Há centros de poder mais diversos. No final da
Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos estavam no auge. Detinham metade da
riqueza mundial e qualquer competidor poderia ser seriamente prejudicado ou
destruído. Tinham uma posição de segurança inimaginável e desenvolviam planos
para, essencialmente, reger o mundo – não irrealisticamente, pelo menos naquela
época.
A primeira grande
resistência à hegemonia norte-americana foi em 1949. Foi “a perda da China”,
como os líderes norte-americanos disseram, É uma expressão interessante, e
nunca contestada. Houve uma grande discussão sobre quem era responsável pela
perda da China. Tornou-se um enorme problema doméstico. Mas é uma expressão
interessante. Você só pode perder uma coisa quando já a teve. E eles
declaravam: possuímos a China – e, se eles se movem para a independência,
perdemos a China. Depois, vieram preocupações como “a perda da América Latina”,
“a perda do Oriente Médio”, “a perda de” certos países, todas baseadas na
premissa de que possuíamos o mundo e de que tudo o que sai de nosso controle é
uma perda para nós e pensamos em como recuperá-lo.
Hoje, se você ler,
digamos, jornais de política externa ou, de forma ridícula, ouvir debates
republicanos, eles estão se perguntando: “Como podemos nos prevenir de futuras
perdas?”
Por outro lado, a
capacidade de preservar o controle tem declinado. Lá por 1970, o mundo já
estava no que era chamado de tripolar economicamente, com um centro industrial
norte-americano localizado Estados Unidos, um centro europeu localizado na
Alemanha, mais ou menos comparável em tamanho, e um centro asiático, localizado
no Japão. Desde então, a ordem econômica global tornou-se muito mais diversa.
Então é mais difícil dar continuidade às nossas políticas, mas os princípios
ocultos não mudaram muito.
Tome, por exemplo,
a doutrina de Clinton. A doutrina de Clinton era que os Estados Unidos estavam
autorizados a voltar-se para a força unilateral para assegurar-se de “acesso
desinibido a mercados-chaves, produtores de energia e recursos estratégicos.”
Isso chega a ser mais do que o que George W. Bush disse. A crença de que
estamos autorizados a isso continua até os dias de hoje. Também continua sendo
parte da cultura intelectual.
Logo depois do
assassinato de Osama bin Laden, no meio de todas as saudações e aplausos, houve
alguns comentários críticos questionando a legalidade do ato. Séculos atrás,
havia algo chamado presunção de inocência. Se você detinha um suspeito, ele era
um suspeito até que o contrário fosse provado. Ele deveria ser levado para o
tribunal. Isso é parte da lei norte-americana. Você pode rastreá-la até a Magna
Carta.
Os Estados Unidos
são a favor da estabilidade. Mas você deve se lembrar do que significa
estabilidade para eles. Significa conformidade às ordens norte-americanas. Por
exemplo, uma das acusações contra o Irã é que o país está desestabilizando o
Iraque e o Afeganistão. Como? Tentando expandir sua influência aos países
vizinhos. Por outro lado, nós “estabilizamos” países quando os invadimos e os
destruímos.
Depois da derrubada de Mubarak no Egito, ele enfrentou acusações
criminais. Hoje, é inconcebível que líderes norte-americanos venham a ser
acusados por seus crimes no Iraque ou em qualquer outro lugar. Isso pode mudar?
A ordem
internacional estabelece que os Estados Unidos têm o direito de usar violência
quando acharem conveniente. Então como é que alguém pode ser acusado?
E ninguém mais tem esse direito.
É claro que não.
Bem, talvez nossos clientes tenham. Se Israel invade o Líbano, mata milhares de
pessoas e destrói metade do país, tudo bem, está tudo certo. Isso é
interessante. Barack Obama era senador antes de ser presidente. Ele não fez
muitas coisas como senador, mas fez algumas, incluindo uma da qual se orgulhava
particularmente. Se você olhasse em seu site antes das primárias, ele realçava
o fato de que, durante a invasão israelense ao Líbano em 2006, ele copatrocinou
uma resolução do Senado que demandava que os Estados Unidos não fizessem nada
para impedir as ações militares de Israel até que tivessem sido conquistados os
objetivos. Outros clientes também o herdam, de vez em quando. Mas esse direito
reside de verdade em Washington. É isso o que significa possuir o mundo. Outros
países não têm propósitos. O propósito da América, por outro lado, é
“transcendente”: levar liberdade e justiça ao resto do mundo.
A. L.
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