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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Pepe Escobar: “E o Oscar vai para... a CIA”

Nem nesse mundo chapado, tempos de doidos varridos, Jack Nicholson algum dia imaginou que faria duplinha com a Primeira Dama dos EUA para apresentar um Oscar de Melhor Filme.
Está mais para Hunter S Thompson que para Academia – e nada tem de presidencial. Mas marcou – lindamente – o casamento de Washington com Hollywood. Se George Clooney casa-se com o Sudão (mas não com a Palestina), por que Jack não poderia trocar fofoquinhas com Michelle? Depois disso, virá o quê? Obama partilhando inteligência com Jessica Chastain?

O casamento que realmente conta – doravante – pode estar no coração do complexo militar-industrial-Hollywood-de segurança, como em "A hora mais escura" e em infindáveis variações do etos Marvel. Mas por hora, em termos de justiça poética, nada faz mais sentido que o Oscar para "Argo", dirigido por Ben Affleck (e coproduzido por Clooney).

Aqueles mais de 6 mil votantes da Academia simplesmente não puderam resistir a um roteiro só muito frouxamente apoiado em fatos, no qual uma Hollywood cheia de recursos salva a CIA. E com certificado de aprovação by Hollywood, de bônus. Assim, como se poderia prever, foi Hollywood premiando-se, ela mesma, com um Oscar, premiando o hiper nacionalismo, heróis dos EUA e, claro, a vitória dos bons (americanos) sobre os péssimos (iranianos).

E o quanto se torna monumentalmente poética essa justiça, quando um filme sobre filme falso, que engana iranianos revolucionários durante a crise dos reféns que se arrastou por 444 dias, é coroado como melhor filme, só dois dias antes de os EUA e outros membros do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha voltarem à mesa para discutir se o Irã os estaria enganando – e construindo uma bomba atômica.

"Argo" obra para provar que o Irã odeia o Satã norte-americano, mas os iranianos amam Hollywood. Três décadas depois, os iranianos não são tão facilmente engambeláveis. Conversáveis. Vão até filmar seu contra-Argo. E a absoluta maioria da população – apesar das duríssimas sanções impostas por EUA e União Europeia – apoia um programa nuclear civil. Paralelamente, será engraçado observar a performance de "Argo" de Karachi a Caracas.

Voltando a Hollywood: como Orson Welles ensinou, é tudo falso. Até o ex-presidente Jimmy Carter admitiu, na CNN, que tudo que se vê no roteiro de "Argo" foi obra dos canadenses – ajudados pelo então embaixador no Irã, Ken Taylor. No Canadá, todo mundo sabe que foi trabalho dos canadenses. Obviamente, ninguém sabe de nada, nos EUA.

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O que realmente interessa nos Óscars é o tapete vermelho – e a frase imortal “O que você está vestindo?”. Num festival de desastres de guarda-roupa que bem valeriam uma investigação do FBI, havia pelo menos Charlize Theron em Dior, Naomi Watts em Armani Privé e Anne Hathaway em Prada para alegrar pupilas fatigadas. É o que rodará pelo mundo digital por todo o planeta – com a maioria os vencedores já esquecidos.

Não houve surpresas. Se Daniel Day-Lewis encarnando o Deus dos EUA, também conhecido por Lincoln, não levasse seu (3º) Óscar, a culpa seria de um ciberataque chinês. Na verdade, houve, sim, uma surpresa: o Zeus de Hollywood, Steven Spielberg, foi descartado, para beneficiar Ang Lee, diretor de "A vida de Pi". Os mais céticos imediatamente se puseram a dizer que teria a ver com Hollywood estar pivoteando-se na direção do lucrativo mercado asiático.

Quentin Tarantino disse que foi o ano dos escritores, no Oscar. Foi mesmo. Faz total sentido que seu clássico de vingança, "Django livre", tenha recebido os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Ator Coadjuvante (o mestre vienense Christoph Waltz).

Para Tarantino, só um número gigante de cadáveres pode levar-nos à Justiça. Pode-se, vez ou outra, desgostar de seus excessos. Mas fato é que a sua receita para os EUA – quando o mal está à sua frente, olho no olho, você sai e manda bala – é crível, porque seus personagens são tão esplendidamente escritos. Não surpreende que o lobby das armas e fanáticos de vários calibres da National Rifle Association estejam usando "Django" como material de divulgação entre os afro-americanos. Se seguissem "Django" (“o D é mudo”) ao pé da letra, os EUA pós-apocalipse seriam bem parecidos com essa paródia de Django Sem Freios.

A Academia pode, sim, ter-se redimido, pelo menos em parte, do caso de amor com a CIA, ao dar o prêmio de Melhor Roteiro a Tarantino, não a Tony Kushner pelo totêmico "Lincoln". Afinal, Kushner – e Spielberg – construíram seu épico antiescravidão sem sequer um olhar na direção de Frederick Douglass ou de Black Reconstruction in America de W E B DuBois, onde se lê, bem claramente, que “foram os escravos fugidos que forçaram os donos de escravos a encarar a alternativa de render-se ao Norte ou render-se aos negros”.

Com pelo menos 200 mil negros no Exército e outros 200 mil como coadjuvantes, o norte teria perdido a guerra. Ou, no mínimo, o sul branco suprematista teria continuado como antes – escravos e tudo. Nada disso se vê em Lincoln.

O que os dois Oscars de "Django" provam mais uma vez é que Hollywood é doida por vingança. Mesmo que venha sob a forma de um western-spaghetti cripto-psicodélico que faria John Ford vomitar. Bem... ainda é um Oeste Selvagem. Mais selvagem que os mais selvagens sonhos selvagens de Jack Nicholson.

Tarantino talvez não seja o roteirista mais qualificado para decodificar Barack Obama, o neo-Lincoln. Que tal um western-gourmet que mostre a transição da Guerra Global ao Terror para a guerra invisível, de sombras, enquanto, no plano interno, o neo-Lincoln faz, do controle de armas misturado com drones de vigilância, meio de vida.

Ou Christoph Waltz, no papel do transviado John Brennan – confessor do então diretor da CIA, George Tenet, absolutamente bem informado e atualizado sobre “fatos e inteligência adaptados em torno da política” para justificar a guerra contra o Iraque e, depois, definindo os parâmetros para a tortura e buscando, para eles, a aprovação do Departamento de Justiça .

Imaginem uma cena, com Waltz, e o talento que é sua marca registrada – em depoimento ante a Comissão de Inteligência do Senado – como Brennan, no início desse mês – dizendo que “os regimes em Teerã e Pionguiangue continuam empenhados em construir armas atômicas e sistemas de transporte e disparo de mísseis balísticos intercontinentais”.

"Argo" é para mariquinhas. O negócio agora é Obamabomber Desembestado.

*Pepe Escobar é jornalista


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