"Nada é terminado quando ainda há a fazer."
A corrente militar-revolucionária de 1992, liderada pelo
tenente-coronel Hugo Chávez, tinha o objetivo de implantar na Venezuela um novo
modelo de sociedade, que nos anos seguintes viria a ser conhecida como
Revolução Bolivariana. A empreitada militar fracassou, mas o projeto político
da mudança lançava ali suas bases. No último 4 de fevereiro, vários países
latino-americanos celebraram aquele dia histórico e os feitos que se seguiram a
ele. Ainda que o então presidente, Carlos Andrés Pérez, não tenha sido derrubado,
emergia daquela cena política a figura que em poucos anos viria escrever seu
nome na história do país.
Este ano, pela primeira vez desde que assumiu o
poder em 1999, Chávez não esteve presente nos atos comemorativos da revolução,
devido ao tratamento médico que realiza em Cuba. Nem por isso, deixou de enviar
sua mensagem ao povo venezuelano. Lido na Praça Pagüita pelo presidente em
exercício, Nicolás Maduro, o texto de Chávez lembrou o “espírito de combate” e
o princípio bolivariano: “nada é terminado quando ainda há a fazer”. Mas o que
dizer do que foi feito nesses vinte e um anos?
Desde o seu primeiro mandato, o presidente tomou para si
um projeto emancipador, baseado nas grandes reformas sociais, com ênfase na
redistribuição da renda propiciada pela exportação do maior recurso econômico
do país, o petróleo, e os ideais outrora vislumbrados por Simon Bolívar, El
Libertador, que, já no início do século XIX, objetivava a independência e a
integração dos países da América Latina.
Os indicadores sociais evidenciam uma significativa
melhoria das condições de vida do povo. O censo de 2011 aponta avanço
significativo nos índices relativos à educação, saúde e saneamento básico.
Embora a desigual distribuição das riquezas produzidas persista, o levantamento
que mede a satisfação das necessidades básicas, proposto pela CEPAL-ONU,
revelou que entre 2001 e 2011 o índice de pobreza extrema caiu de 11,4% para
6,7%. No mesmo período, observou-se o aumento de 67% para 75,6% entre os
considerados não pobres. Se compararmos os Índices de Desenvolvimento Humano
(IDH) brasileiro e venezuelano, em 2011, o nosso vizinho estava mais bem
situado no ranking mundial, ocupando a 73ª posição, enquanto a nossa era a de
84ª.
No entanto, de forma generalizada o antichavismo se cristaliza.
Do lado de cá da fronteira, a oposição do nosso Congresso à entrada da
Venezuela no Mercosul somente foi superada em dezembro passado, com o decreto
do governo brasileiro promulgando a adesão do país ao bloco regional. A
rejeição por parte da bancada oposicionista baseava-se na suposta insegurança
provocada pela figura de Chávez. Em resposta às críticas, os governistas
apontavam as vantagens em ter o país como membro efetivo do Mercosul: o ganho
de um mercado com força econômica que ultrapassa alguns países da União
Europeia, em termos de população e capacidade industrial, e a conquista de um
sócio que sozinho conta com a maior reserva de petróleo conhecida no mundo,
fato que por si só atraiu para ele o interesse de grandes potências, principalmente
dos Estados Unidos.
É certo que Chávez não conseguiu usar os recursos
energéticos para implementar todas as mudanças que se faziam necessárias na
estrutura social da Venezuela. O país ainda não conseguiu formar quadros
especializados, fundamentais para uma satisfatória diversificação de sua
economia, e segue importando bens para suprir plenamente suas necessidades
básicas. A exploração das reservas energéticas, porém, foi responsável por uma
mudança significativa na posição geopolítica da Venezuela no cenário
internacional, dando-lhe inclusive a possibilidade de estreitar relações com
grandes potências, como a Rússia e a China.
Apesar da propaganda negativa veiculada pela grande
mídia, que o apresenta como ditador, poucos governantes se sujeitaram por tantas
vezes à vontade das urnas. Ao assumir o poder, convocou uma Assembleia
Constituinte com bases amplamente democráticas e legitimou, via consulta
popular, seu projeto transformador da sociedade. Eleito em 2012 para o terceiro
mandato, Chávez tornou-se o único chefe de Estado latino-americano a se
submeter, e sair vitorioso, ao chamado recall, ou referendo revogatório,
instrumento constitucional criado por seu próprio governo, que poderia lhe
cassar o mandato e convocar novas eleições antecipadas.
Por mais polêmica que seja sua liderança, ele conseguiu
mudar consideravelmente o quadro social e político do país. Fujamos, pois, das
visões polarizadas. Cautela com os pensamentos unilaterais: a Chávez o que é de
Chávez!
Jamile
Lourdes Ferreira Tajra
Mestranda em Políticas Públicas e Sociedade e
Pesquisadora do Observatório das Nacionalidades
A. G.
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