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domingo, 17 de fevereiro de 2013

WikiLeaks: Desde 2005, golpista paraguaio treina seu exército nos EUA



Franco (ao centro) já planejava o golpe, treinando policiais e militares nos EUA.

Documentos do WikiLeaks revelam que os EUA treinaram centenas de policiais e militares paraguaios de 2005 a 2010, dentre eles, os futuros comandantes militares de Federico Franco.

Natalia Viana e Jessica Mota, via A Pública

O treinamento de membros das forças de segurança paraguaias é um dos principais elementos da política dos Estados Unidos para o país. Durante os anos do governo Lugo, deposto num impeachment-relâmpago em junho de 2012, a agência de assistência do Departamento de Estado, a Usaid, administrou investimento de US$9 milhões em treinamento policial – só nos anos de 2009 a 2011 – por meio do Programa Umbral.
Mas além da Usaid, milhões de dólares vindos de outras fontes foram aplicados no Paraguai. Por exemplo, o Global Peace Operations Initiative, programa do Departamento de Estado, em 2009 destinou US$4 milhões aos paraguaios que fazem parte das forças de paz no Haiti; o treinamento do Batalhão Conjunto de Forças Especiais do Exército recebeu US$5,7 milhões em assistência militar; e o programa antinarcótico do Departamento de Estado (INL) alocou US$753 mil no país em 2009 e 2010, segundo relatório da embaixada em Assunção (clique aqui).
Entre 2005 e 2010, foram quase mil militares e policiais paraguaios treinados pelos EUA. Os cursos abordavam de direitos da propriedade intelectual a treinamento de contra-insurgência e combate ao terrorismo, entre outros temas, e se realizaram em diversos locais, dentro e fora do Paraguai. Promotores, juízes, fiscais alfandegários (Aduanas, em espanhol) e diplomatas também receberam treinamento dos norte-americanos.
Não se tratava apenas de treinar as forças militares, mas de investir na formação de oficiais que ocupariam cargos de comando. Como os dois altos oficiais da Armada (Marinha) que seriam retirados por Lugo em 2009, em meio a rumores de planos para um golpe militar no país.
Outros oficiais treinados se tornariam peças-chave no governo de Federico Franco. Onovo chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Militares, o general Pedro Aristides Baez Cantero, por exemplo, participou de um curso em outubro de 2005 no Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa em Washington. O novo chefe de Estado-Maior da Armada, Sílvio Salvador Guanes Solis – o número 2 da Marinha –, também foi convidado a viajar aos EUA para participar de um curso de Gerenciamento de Crises em Washington em maio de 2009.
Em setembro do mesmo ano, os EUA financiaram a viagem de outros futuros membros do sistema de Defesa de Franco à base militar de Fort McNair, em Washington, para um treinamento sobre “Carreiras civis para Defesa”. Um deles era o vice-almirante Pablo Ricardo Luís Osório Fleitas, nomeado comandante da Armada cinco dias depois da posse de Franco, em substituição ao almirante Benitez Frommer, que foi compulsoriamente passado para a reserva por ter desmentido a versão de que o vice-presidente venezuelano, Nicolas Maduro, teria tentado insuflar um golpe militar em defesa de Lugo (saiba mais aqui).
Angel Damian Sabino Chamorro Ortiz, que se tornaria secretário-geral do Ministério da Defesa de Franco, participou não só do treinamento em Fort McNair, como também de um curso no Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa em Washington, em 2008, sobre “Coordenação Inter-Agências para o Combate ao Terrorismo”.
Nesse último, teve como colega Luís Alberto Galeano Perrone, atual vice-ministro de Defesa de Franco, nomeado em 2 de julho de 2012 (clique aqui).
Quem quer uma base dos EUA no Paraguai?
O deputado colorado Mário Morel Pintos também participou do curso “Carreiras civis para Defesa” em Washington. Morel é uma voz civil proeminente no aparato de Defesa: entre 2007 e 2010, presidiu a Comissão de Defesa Nacional, Segurança e Ordem Interna da Câmara de Deputados. Hoje candidato a governador do Departamento Central, com apoio pessoal do presidenciável colorado Horácio Cartes (um dos principais articuladores do impeachment de Lugo), é um aguerrido defensor da instalação de bases norte-americanas no Paraguai.
O ex-ministro Bareiro Spaini, que saiu do governo de Lugo por desavenças com a embaixada norte-americana, lembra de ter sido abordado por Morel assim que assumiu o cargo, em 2008. “Pensamos que seria interessante convidá-los (os norte-americanos) para que venham instalar suas bases aqui’’, sugeriu o deputado colorado em um restaurante em Assunção.
Pouco depois da destituição de Lugo, o tema das bases norte-americanas no Paraguai voltou à tona, novamente através de um membro do Congresso. No dia 2 de julho do ano passado, o atual presidente da Comissão da Defesa da Câmara, José Lopez Chavez, do partido direitista Unace, disse ter mantido conversas com generais norte-americanos para negociar a instalação de uma base militar no Chaco, região fronteiriça com a Bolívia.
O ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, que se coloca publicamente contra a ideia desde 2005, quando era chanceler, ameaçou isolar o Paraguai se o projeto seguisse adiante. Em entrevista ao Diário ABC Color, a ministra de Defesa do Paraguai, Maria Liz Cargia, também do Unace, afirmou: “Não podemos esquecer que estamos suspensos unilateral e injustamente do Mercosul. O Paraguai é livre para eleger os aliados que lhe convém.”
O Congresso paraguaio, em especial os membros de seus conselhos de Defesa, é grande defensor dos interesses dos Estados Unidos na área de militar. O ex-ministro de Defesa Luís Bareiro Spaini foi alvo de um pedido de destituição no Congresso depois que enviou uma carta à embaixadora Liliana Ayalde reclamando de “ingerência” dos Estados Unidos na política paraguaia. A reclamação de Spaini foi feita por causa de almoço na embaixada em que o vice Federico Franco falou em impedir o presidente Lugo – dois anos antes de sua deposição. Spaini acabou caindo alguns meses depois (leia mais sobre o caso).
“Me interrogaram no Congresso muitas vezes”, lembra o ex-ministro Spaini. “Não importava se eu tinha ou não responsabilidade.”
Os cursos de treinamento dos EUA
Segundo a legislação norte-americana (Lei Leahy), o governo está proibido de financiar treinamento ou assistência a unidades militares estrangeiras que tenham cometido violações a direitos humanos. Por isso, todos os nomes de oficiais treinados passam por uma checagem de background, feito pela embaixada.
A Pública analisou mais de 200 páginas de documentos diplomáticos vazados pelo WikiLeaks, e a partir deles elaborou uma detalhada base de dados com o nome de quase mil oficiais treinados pelos EUA entre 2005 e 2010, entre militares – incluindo do Destacamento Conjunto de Emprego Imediato (DCEI), montado e financiado pelos EUA – policiais – como os corpos de elite Grupo de Especial de Operações (GEO) e Força e Operações da Polícia Especializada (Fope) – e fiscais de Aduanas. Também constam da lista promotores e juízes.
Há 12 cursos diferentes sobre combate ao terrorismo (um deles inclui treinamento em “contra insurgência”) – a grande maioria ocorrida em Assunção, no Paraguai – e outros sobre direitos de propriedade intelectual em Lima, no Peru, além de cursos para enfrentar a selva (o “Jungle Command Course”) – no caso, a colombiana.
Naqueles cursos oferecidos fora dos Estados Unidos, figuram dois importantes centros de treinamento mantidos pelos EUA.
Em El Salvador, o Departamento de Estado mantém uma academia de treinamento policial na capital, San Salvador. Ali foram treinados pelo menos 19 policiais paraguaios em cursos no final de 2008 e 2009.
Em Lima, no Peru, o mesmo programa mantém uma academia voltada para o treinamento de forças policiais estrangeiras. Em 2007, 2008 e 2009, pelo menos 70 policiais paraguaios foram treinados ali, em cursos de manejo de cenas de crimes, tráfico de armas leves, detecção de documentos fraudulentos e crimes contra propriedade intelectual.
Apesar de todos os nomes terem sido checados pela embaixada norte-americana para verificar eventuais registros de abusos contra direitos humanos, isso não significa que todos os trainees tivessem uma reputação ilibada.
É o caso de militares de alta patente da Marinha reformados por Fernando Lugo em 2009, em meio a rumores de planos para um golpe militar: o contra-almirante Benigno Antônio Tellez Sanchez, aposentado em março de 2009, e o contra-almirante Claudelino Recalde Alfonso, substituído em novembro do mesmo ano.
O coronel do Exército Carlos Javier Casco Prujel, que recebeu um treinamento para emprego rápido em campo, em Assunção, em julho de 2008, foi detido por corrupçãoem julho de 2010. Também há casos de fiscais de Aduanas treinados pelos EUA flagrados pedindo propinas a contrabandistas e de um ex-chefe da polícia, Hermes Enrique Argana, detido com 5 quilos de pasta-base de cocaína cinco anos depois de ter participado de um treinamento antiterrorismo em Assunção.
A.     G.

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