A opinião pública dos
Estados Unidos tem de dizer basta para a matança de inocentes.
Medea Benjamin, via Diário do Centro do Mundo
No dia 29 de maio de 2012, o New
York Times publicou uma
análise profunda sobre o papel do presidente Obama em relação à autorização dos
ataques feitos pelos drones norte-americanos no exterior, particularmente no
Paquistão, no Iêmen e na Somália. É de arrepiar ver a fria e macabra facilidade
com a qual o presidente e seu pessoal decidem quem irá viver e quem irá morrer.
O destino de pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância é
decidido por um grupo de norte-americanos, eleitos ou não eleitos, que não
falam sua linguagem, não conhecem sua cultura, não entendem seus motivos e
valores. Embora afirmem representar a maior democracia do mundo, os líderes
norte-americanos estão colocando, em uma lista de pessoas para serem mortas
jovens que não têm a oportunidade de se render e certamente não têm também a
oportunidade de serem julgadas em um tribunal.
Quem está fornecendo ao presidente e seus assessores uma lista
de suspeitos de terrorismo entre os quais devem escolher os que serão mortos,
aleatoriamente? O tipo de informação usado para colocar as pessoas nas listas é
o mesmo tipo de informação usado para colocar pessoas em Guantânamo. Lembre-se
de como o público norte-americano foi assegurado de que os prisioneiros
trancafiados em Guantânamo eram “os piores de todos”, só para descobrir depois
que centenas deles eram gente inocente que tinha sido vendida para o exército
norte-americano por caçadores de recompensa.
Sendo assim, por que razão o público deveria acreditar no que o
governo de Obama diz sobre as pessoas que estão sendo mortas por drones?
Especialmente tendo em vista que, como vimos no New York Times, o governo
apareceu com uma solução para fazer com que a taxa de morte de civis fosse a
menor possível: simplesmente considerar homens com determinada idade – aquela
em que podem estar com guerreando – como inimigos. A alegação é que “pessoas em
uma área onde há uma atividade terrorista recorrente, ou encontradas com um
militante de alto escalão da Al-Qaeda, certamente possuem más intenções”. Ao
menos quando Bush atirou militantes suspeitos em Guantânamo, suas vidas foram
poupadas.
Em acréscimo às listas de morte, Obama concedeu à CIA a
autoridade de matar com ainda maior facilidade, usando ataques baseados
unicamente em comportamento suspeito. Homens dirigindo caminhões com
fertilizantes podem ser fabricantes de bombas – mas também podem ser fazendeiros.
Harold Koh, assessor jurídico de Obama, insiste em que essa
matança é legal sob a lei internacional porque os Estados Unidos têm direito à
autodefesa. É verdade que todas as nações possuem o direito de se defender, mas
a defesa deve ser contra um ataque iminente e esmagador que se aproxima e não
há tempo para um momento de deliberação.
Máquinas de matar.
Quando a nação não está em um conflito armado, as regras são
ainda mais rigorosas. A matança só pode acontecer quando é necessária para
proteger a vida e quando não há outros meios, tais como a captura ou a
incapacitação não letal, para prevenir a ameaça à vida. Fora de uma zona ativa
de guerra, então, é ilegal o uso de drones, que são armas de guerra incapazes
de capturar um suspeito vivo.
Pense no precedente que os Estados Unidos estão fixando com sua
doutrina de mate-não-capture. Se a justificativa norte-americana fosse aplicada
por outros países, a China poderia declarar que um ativista da etnia uigur que
vive em Nova Iorque é um “combatente inimigo” e lançar um míssil em Manhattan;
a Rússia poderia afirmar que é perfeitamente legal iniciar um ataque de drone
contra alguém que vive em Londres, se suspeitarem que a pessoa em questão tem
algum tipo de ligação com militantes chechenos.
Ou considere o caso de Luis Posada Carriles, um cubano
naturalizado venezuelano que vive em Miami, um terrorista condenado por ter
planejado, em 1976, um bombardeio em um avião cubano. Carriles matou 73
pessoas. Levando-se em conta o fracasso do sistema jurídico dos Estados Unidos,
o governo cubano poderia alegar que tem direito de mandar um drone para o
centro de Miami para matar um terrorista confesso e inimigo jurado.
Um antigo diretor da CIA afirmou que a estratégia de usar drones
é “perigosamente sedutora”, porque o custo é pequeno, não implica em baixas no
exército e tem um aspecto de resistência. “Ela é útil para o mercado interno”,
ele disse, “e é impopular em outros países. Qualquer dano no interesse nacional
só aparece a longo prazo”.
Mas um artigo publicado no Washington Post mostra que o dano não
é a longo prazo, e sim imediato. Após entrevistar mais de vinte líderes tribais,
parentes de vítimas, ativistas de direitos humanos e oficiais de Iêmen do sul,
o jornalista Sudarsan Raghavan concluiu que os ataques estão radicalizando a
população local e aumentando a simpatia pela al-Qaeda e por seus militantes.
“Os drones estão matando os líderes da al-Qaeda”, disse Mohammed al-Ahmadi,
coordenador de um grupo local de direitos humanos, “mas também estão os
transformando em heróis”.
Até mesmo o artigo do New York Times reconhece que o Paquistão e
o Iêmen estão menos estaveis e mais hostis aos Estados Unidos desde que Obama
se tornou o presidente e desde que os drones se tornaram um petulante símbolo
do poder norte-americano atropelando a soberania nacional e assassinando
inocentes.
Shahzad Akbar, um advogado paquistanês que está processando a
CIA a favor das vítimas dos drones, diz que já é hora de o povo norte-americano
se pronunciar. “Você pode confiar em um programa que existe há oito anos,
escolhe seus alvos em segredo, não enfrenta qualquer responsabilidade e que
matou, apenas no Paquistão, quase três mil pessoas cuja identidade é
desconhecidas pelos seus assassinos?”, ele pergunta. “Quando as mulheres e
crianças do Paquistão são mortas com mísseis, os paquistaneses acreditam que é
isso que o povo norte-americano quer. Eu gostaria de perguntar para os
norte-americanos, ‘é isso?’”
Tradução: Camila Nogueira
Medea Benjamin, 60
anos, escritora norte-americana, é cofundadora do Codepink, um grupo de defesa dos direitos
humanos. Ela tem-se batido particularmente, nos últimos tempos, contra os
drones – os aviões de guerra que não têm tripulação.
T. M.
Sem comentários:
Enviar um comentário