Renúncia
do Papa alemão obrigou a Igreja a um exame de consciência. Mas também pode ter
ajudado a explicar "o que é a fraternidade". Conclave arranca nesta
terça-feira.
Não, hoje não haverá "fumo branco" no Vaticano, mas já
haverá fumo, quando tiverem passado alguns minutos das oito da noite em Roma.
Hoje, abre o primeiro conclave em 600 anos depois da renúncia de um Papa. Bento
XVI será o grande ausente presente de muitas formas: para além da força da
própria renúncia, foi Ratzinger que nomeou 67 dos 115 cardeais e foi ele que
definiu parte das regras do jogo, através das emendas à Constituição
Apostólica, em 2007, e das leis que reafirmou ou introduziu no Motu Proprio de
dia 25 de Fevereiro.
Antes do conclave, durante a manhã, haverá a Santa
Missa Pro eligendo Romano Pontifice, presidida pelo decano do Colégio
Cardinalício, Angelo Sodano, e aberta aos fiéis que couberem na Basílica de S.
Pedro. À tarde, pelas 16h30, os cardeais sairão por fim em procissão da Capela
Paulina até chegarem à Capela Sistina. O ritual dura perto de uma hora e acaba
quando o maltês Prosper Grech rezar a extra omnes (todos fora),
último acto antes do encerramento das portas.
Debaixo
do tecto de Miguel Ângelo não se debate, só se vota. E assim acontecerá, uma
vez mais, até que 77 cardeais, dois terços dos eleitores, tenham escrito o
mesmo nome nas folhas de voto.
"O
primeiro fumo dificilmente será positivo, tratando-se da primeira
votação", disse o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, na
conferência de imprensa que se seguiu à última das dez congregações gerais, os
encontros de pré-conclave abertos a todos os cardeais (mesmo aos que não votam)
e onde tudo se pode discutir.
A
primeira votação funciona como as eleições primárias de um partido e serve para
identificar candidatos. A partir daí, tudo depende do número de pretendentes
com hipóteses de aceder ao trono e da quantidade de apoios com que chegam ao
conclave. Nos últimos 167 anos nenhum conclave durou mais de cinco dias e não
se espera que este ultrapasse essa marca, disse ainda Lombardi.
Se
houvesse candidatos assumidos e campanha eleitoral, esta teria encerrado no
domingo, quando os 115 cardeais se espalharam pelas igrejas de Roma para rezar
missa, como manda a tradição - quase todos são titulares de uma igreja na
cidade que rodeia os 44 hectares do pequeno Estado do Vaticano.
Ao
italiano Angelo Scola cabe a Basílica dos Doze Apóstolos, no centro antigo. O
arcebispo de Milão entrou e saiu pelas traseiras, mas pelo meio veio à rua,
junto dos jornalistas: "Disseram-me que vos devia benzer", afirmou. O
brasileiro Odilo Scherer entrou pela porta da frente da sua igreja,
Sant"Andrea al Quirinale. Lá dentro, deixou cair uma hóstia ao chão e
ofereceu a sua bênção a um casal, Carmine e Maria Persichetti, que festejavam
70 anos juntos. "Eu ainda não era nascido. Isso é mesmo possível?",
brincou Odilo Scherer.
Vigilância
reforçada
Se no domingo se encerrou a campanha, ontem foi ainda dia de discussão. Nem todos os cardeais quiseram encerrar as congregações e alguns votaram vencidos, desejando mais um encontro da parte da tarde. De manhã, houve tempo para 28 intervenções; ao todo, 161 cardeais puderam falar desde que se abriu o pré-conclave, na segunda-feira da semana passada.
Se no domingo se encerrou a campanha, ontem foi ainda dia de discussão. Nem todos os cardeais quiseram encerrar as congregações e alguns votaram vencidos, desejando mais um encontro da parte da tarde. De manhã, houve tempo para 28 intervenções; ao todo, 161 cardeais puderam falar desde que se abriu o pré-conclave, na segunda-feira da semana passada.
O
tema da manhã foi o Instituto para as Obras Religiosas, o banco do Vaticano,
que enfrenta problemas financeiros e foi castigado pelo Banco de Itália por
violação das leis contra o branqueamento de capitais. Tarcisio Bertone,
secretário de Estado de Bento XVI e agora camerlengo, papa interino no período
de sede vacante, partilhou com os restantes os esforços da banca católica para
aumentar a transparência das suas contas e negócios.
Por
causa do Motu Proprio de Bento XVI, os 115 eleitores não estão só
obrigados ao silêncio. A partir de hoje, serão também vigiados e
"protegidos no percurso que separa Santa Marta [onde se situam os
aposentos que vão ocupar a partir desta manhã e que foram sorteados] da Sistina
para evitar encontros ou aproximações". Para além dos 115 cardeais, 90
pessoas vão participar no esforço do conclave (cozinheiros, camareiros,
enfermeiros...) e ontem já todas pronunciaram o seu juramento de silêncio na
Capela Paulina.
Na
missa que celebrou em Roma no domingo, o cardeal Christoph Schönborn contou que
a demissão de Bento XVI o fez chorar, mas descreveu-a como "um gesto
humilde" que "fez compreender o que é a fraternidade". Nas
congregações gerais, garantiu Schönborn, e apesar dos assuntos espinhosos, dos
pedidos de consulta ao relatório sobre o Vatileaks às discussões
sobre as denúncias de abusos sexuais cometidos por membros do clero, viveu-se
"uma comunhão fraterna como nunca tínhamos vivido entre nós".
"Tenho
a impressão de que com este gesto tão surpreendente já se iniciou uma profunda
renovação da Igreja, uma espécie de conversão pastoral", concluiu o
arcebispo de Viena, estudante e amigo de Ratzinger durante 40 anos.
Agora,
falta só os cardeais votarem. Antes, uma última missa em comunhão com os fiéis.
"Oremos juntos para que o Espírito Santo indique ao colégio de cardeais
aquele que já foi eleito por Deus", pediu no domingo o cardeal canadiano,
Marc Ouellet, antes de falar da polémica dos documentos roubados da secretária
de Ratzinger. "Até Bento XVI perdoou, antes do Natal, aqueles que o
atraiçoaram".
=Público=
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