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sábado, 2 de fevereiro de 2013

«O Zero e o Infinito»


O livro que trata de forma mais viva e cruenta a questão da ética é o magistral “O Zero e o Infinito”, escrito pelo ex-comunista Arthur Koestler, que veio à luz em 1941.

O centro da obra é justamente um questionamento ético. Entre 1936 e 1938, Stálin — tratado no livro como o “Nº 1” — liquida boa parte da velha-guarda revolucionária no curso dos chamados “Processos de Moscou”, uma farsa judicial espantosa para se consolidar como a única fonte de poder da União Soviética. Os “processos” são especialmente espantosos porque conduzidos de forma a criar uma maquinaria argumentativa que levava os acusados a confessar a sua culpa, embora soubessem que isso não os livraria da morte, à qual já estavam condenados. A acusação essencial: conspirar contra o estado soviético, a revolução socialista e o partido.

É esse clima que Koestler reproduz em seu livro. Rubachov é um comunista revolucionário de primeira hora que está preso, acusado de conspiração e traição. Somos apresentados a seus diálogos com seus algozes, todos eles a serviço do partido e da causa. Ocorre que se formara ele também na certeza de que o partido não errava nunca e de que não se iria construir uma nova humanidade sem cometer alguns atos condenados pela moral burguesa.

Um trecho do livro é particularmente significativo. Rubachov conversa com Ivanov, um policial do regime com certas pretensões filosóficas. Este faz algumas considerações sobre Raskolnikov, o jovem assassino de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, aquele que mata uma velha exploradora a machadadas para supostamente usar o seu dinheiro em benefício da humanidade. Raskolnikov acaba confessando a sua culpa e busca a reabilitação.

Para Ivanov, o policial, “Crime e Castigo” é um livro que deveria ser queimado porque não propõe nenhuma questão relevante. Entende que Raskolnikov “é um louco, um criminoso, não porque se comporte logicamente ao matar a velha, mas porque está fazendo isso por interesse pessoal”. E acrescenta: “O princípio de que o fim justifica os meios é e continua sendo a única regra da ética política. Tudo o mais é conversa fiada e se derrete, escorrendo por entre os dedos. Se Raskolnikov tivesse matado a velha por ordem do Partido (por exemplo, para aumentar os fundos de auxílio às greves ou para instalar uma imprensa clandestina), então a equação ficaria de pé, e o romance, com seu problema ilusório, nunca teria sido escrito, e tanto melhor para a humanidade”.

Como vocês percebem, para Ivanov, o assassinato mais torpe se enobrece se a causa é considerada não exatamente justa, mas útil.  Rubachov responde que, no poder, os revolucionários conseguiram criar uma sociedade pior do que aquela que buscavam substituir, que as condições de vida se deterioram dramaticamente em todas as áreas, que as pessoas sofrem muito mais.

Ivanov então responde: “Sim, e daí? Não acha maravilhoso? Alguma vez já aconteceu algo mais prodigioso na história? Estamos tirando a pele velha da humanidade e lhe dando uma nova. Não é uma ocupação para gente de nervos fracos”. O policial já havia dito ao líder comunista que caíra em desgraça que só há duas éticas no mundo, opostas e inconciliáveis: uma é a cristã e humana, que declara que o homem é sagrado e que os princípios da aritmética não podem ser aplicadas a unidades humanas; a outra é a coletiva, que subordina cada homem às necessidades do coletivo; esta outra, que é a sua, diz ele, “não somente permite como pede que o indivíduo seja de todas as maneiras subordinado e sacrificado à humanidade”.

S. S.

2 comentários:

  1. Onde consigo encontrar este livro? Estou muito interessada em obte-lo.

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    1. Deverá procurá-lo numa livraria que venda livros do Brasil.
      No Porto ao cimo da Rua de Ceuta, esquina com a Rua José Falcão.
      Como se trata de um livro já antigo, não sei se ainda têm algum,
      Mas penso que poderão encomendà-lo.

      JC Menezes

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