O livro que trata de forma mais
viva e cruenta a questão da ética é o magistral “O Zero e o Infinito”, escrito
pelo ex-comunista Arthur Koestler, que veio à luz em 1941.
O centro da obra é justamente
um questionamento ético. Entre 1936 e 1938, Stálin — tratado no livro como o
“Nº 1” — liquida boa parte da velha-guarda revolucionária no curso dos chamados
“Processos de Moscou”, uma farsa judicial espantosa para se consolidar como a
única fonte de poder da União Soviética. Os “processos” são especialmente espantosos
porque conduzidos de forma a criar uma maquinaria argumentativa que levava os
acusados a confessar a sua culpa, embora soubessem que isso não os livraria da
morte, à qual já estavam condenados. A acusação essencial: conspirar contra o
estado soviético, a revolução socialista e o partido.
É esse clima que Koestler
reproduz em seu livro. Rubachov é um comunista revolucionário de primeira hora
que está preso, acusado de conspiração e traição. Somos apresentados a seus
diálogos com seus algozes, todos eles a serviço do partido e da causa. Ocorre
que se formara ele também na certeza de que o partido não errava nunca e de que
não se iria construir uma nova humanidade sem cometer alguns atos condenados
pela moral burguesa.
Um trecho do livro é
particularmente significativo. Rubachov conversa com Ivanov, um policial do
regime com certas pretensões filosóficas. Este faz algumas considerações sobre
Raskolnikov, o jovem assassino de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, aquele que
mata uma velha exploradora a machadadas para supostamente usar o seu dinheiro
em benefício da humanidade. Raskolnikov acaba confessando a sua culpa e busca a
reabilitação.
Para Ivanov, o policial, “Crime
e Castigo” é um livro que deveria ser queimado porque não propõe nenhuma
questão relevante. Entende que Raskolnikov “é um louco, um criminoso, não porque se comporte logicamente ao matar a
velha, mas porque está fazendo isso por interesse pessoal”. E
acrescenta: “O princípio de que o fim
justifica os meios é e continua sendo a única regra da ética política. Tudo o
mais é conversa fiada e se derrete, escorrendo por entre os dedos. Se
Raskolnikov tivesse matado a velha por ordem do Partido (por exemplo, para
aumentar os fundos de auxílio às greves ou para instalar uma imprensa
clandestina), então a equação ficaria de pé, e o romance, com seu problema
ilusório, nunca teria sido escrito, e tanto melhor para a humanidade”.
Como vocês percebem,
para Ivanov, o assassinato mais torpe se enobrece se a causa é considerada
não exatamente justa, mas útil. Rubachov responde que, no poder, os
revolucionários conseguiram criar uma sociedade pior do que aquela que buscavam
substituir, que as condições de vida se deterioram dramaticamente em todas as
áreas, que as pessoas sofrem muito mais.
Ivanov então responde: “Sim, e daí? Não acha maravilhoso? Alguma vez
já aconteceu algo mais prodigioso na história? Estamos tirando a pele velha da
humanidade e lhe dando uma nova. Não é uma ocupação para gente de nervos
fracos”. O policial já havia dito ao líder comunista que
caíra em desgraça que só há duas
éticas no mundo, opostas e inconciliáveis: uma é a cristã e humana, que declara
que o homem é sagrado e que os princípios da aritmética não podem ser aplicadas
a unidades humanas; a outra é a coletiva, que subordina cada homem às
necessidades do coletivo; esta outra, que é a sua, diz ele, “não somente
permite como pede que o indivíduo seja de todas as maneiras subordinado e
sacrificado à humanidade”.
S.
S.
Onde consigo encontrar este livro? Estou muito interessada em obte-lo.
ResponderEliminarDeverá procurá-lo numa livraria que venda livros do Brasil.
EliminarNo Porto ao cimo da Rua de Ceuta, esquina com a Rua José Falcão.
Como se trata de um livro já antigo, não sei se ainda têm algum,
Mas penso que poderão encomendà-lo.
JC Menezes