As
duas revistas semanais brasileiras com maior circulação – Veja(13/3) e Época (11/3) – coincidiram em dedicar a capa
ao antichavismo, embora se trate de reportagens diferentes. Na Veja, insulto, desprezo,
panfletarismo truculento (“Chavez, a herança sombria”; “A maldição da múmia”).
Na Época, um tom mais
comedido, apuração menos superficial, embora o título da reportagem, no
interior da revista, seja uma patacoada verbal metafórica: “À sombra de um
corpo embalsamado”.
Em ambas, uma foto semelhante na capa: só a metade direita do
rosto de Chavez visível. Em ambas, a mesma finalidade: apresentar os anos
Chavez como uma espécie de catástrofe que se abateu sobre a Venezuela, o
presidente como um tirano, o povo como massa ignara. Em ambas, ausência total
de background histórico.
Por exemplo, menciona-se, como fizeram os jornais, a tentativa
de golpe militar contra o presidente Carlos Andrés Pérez liderada por Chavez em
fevereiro de 1992 (houve uma segunda, em novembro, conduzida por partidários
dele).
Mas não se informa que Andrés Perez havia tomado medidas de arrocho,
entre elas um aumento do preço da gasolina e, em consequência, das passagens de
ônibus, que provocaram a revolta urbana conhecida como Caracazo (27 e
28/2/1989), reprimida pelas forças armadas. O número de mortos oscila segundo
as fontes entre 400 e 3.500. Menos ainda se informa que Perez foi deposto em
1993 pela suprema corte do país e teve que se exilar para não ser preso por
corrupção.
Governo castrense
Ignorar o passado, como faz Enrique Krauze em entrevista à Veja(“Ele foi o último
caudilho”), é tão pouco sério como seria ignorar que Chavez, depois de limpar
as forças armadas de enclaves oposicionistas, fez um governo castrense, como
castrenses foram vários governos com aprovação popular na América Latina, entre
eles, notoriamente, os dois primeiros de Juan Domingo Perón, na Argentina
(1946-1955), e os dos generais Velasco Alvarado, no Peru (1968-1975), e Juan
José Torres (1970-1971), na Bolívia.
Perón teve amplo apoio de sindicatos e, durante a maior parte do
tempo, da igreja católica. Alvarado chefiou um golpe militar, mas sua política
foi nacionalista e de inspiração reformista. Torres foi levado ao poder por uma
revolta popular de operários, camponeses e estudantes. Nesses países, como na
Venezuela, e, como no Brasil durante boa parte de sua vida republicana, as
forças armadas tiveram um peso político excepcional.
O continente tem arraigada tradição golpista. Se Chavez tivesse
se tornado o tirano que pintam, ou que dizem desejava ser, isso mostraria antes
de tudo que a Venezuela ainda não conseguiu chegar ao estágio presumivelmente
alcançado pelo Brasil. Mas, pergunta-se, que país no continente conseguiu?
E mais: se Chavez tivesse conseguido arrochar a imprensa como
teria pretendido, não se compreende que o oposicionista Henrique Capriles tenha
derrotado Diosdado Cabello nas eleições para o governo do estado de Miranda em
2008 e tenha obtido, nas eleições presidenciais de outubro, 44,3% dos votos
(ante 55% de Chavez).
A força das coisas
Com isso não se pretende amenizar os impulsos autoritários do
coronel. O que para alguns parece difícil entender é que nos processos
políticos os líderes tanto comandam como são governados pelas circunstâncias. O
que De Gaulle chamava “la force des choses”.
Desse ponto de vista, Chavez, que sacudiu a Venezuela, país
vítima da maldição do petróleo manipulada por uma elite mesquinha, não foi
deliberadamente um caudilho: na verdade, só
conseguiu manter-se no poder usando mecanismos caudilhescos, principalmente
devido a uma política econômica inepta – sobretudo porque não reduziu, antes
agravou, a dependência exclusiva do petróleo – e a uma administração pública
precária. Diante, é preciso dizê-lo, de uma oposição raivosa como é não raro a
oposição a Lula e a Dilma.
Preocupante, no episódio, é as revistas terem mais uma vez
subordinado a cobertura jornalística a um alinhamento político-ideológico que o
duopólio PT-PSDB alimenta de maneira rasteira. Se o campo político-informativo
for inteiramente ocupado pelo maniqueísmo, o país estará conduzindo suas novas
gerações à repetição de erros que custaram caro.
T. M.
Sem comentários:
Enviar um comentário