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quinta-feira, 14 de março de 2013

O papa Chico 1º e a ditadura argentina – 1


Os textos a seguir foram publicados no Portal Unisinos e lidos no História bem contada
O cardeal Bergoglio e os 30 anos do golpe militar na Argentina
12/5/2006
Eis de novo em evidência a Igreja católica da Argentina, uma das mais conservadoras, senão reacionária da América Latina e cuja cumplicidade durante os atrozes anos da ditadura militar, entre 1976 e 1983, escandalizaram o mundo.
Quem traz para a superfície a memória daquele período nefasto, cravejado de 30 mil desaparecidos, é Horácio Verbitsky, jornalista e escritor argentino, que foi nestes 22 anos de democracia um dos mais próximos companheiros das Mães da Praça de Maio.
Agora, com Kirchner, o vento mudou e disse Verbitsky “ao menos 200 os militares na prisão” e 1.400 as causas judiciárias pela violação dos direitos humanos. A notícia é do Il Manifesto(10/5/2006).
Segundo o Il Manifesto, Verbitsky é autor de 15 livros, dentre elesO voo que relata o testemunho do capitão da marinha Adolfo Scilingo sobre os voos da morte, nos quais detentos vivos eram jogados dos aviões no Rio da Prata.
Agora, Verbitsky – afirma o jornal italiano – lança na Itália seu livroA ilha do silêncio no qual desenvolve uma implacável acusação contra o papel da Igreja na ditadura argentina. Em A ilha do silêncio, que se lê como um romance de fato e atroz, diz o Il Manifesto, comparecem todos os nomes notáveis da Igreja na Argentina, os cardeais Caggiano, Aramburo e Pimatesta, os bispos e vigários castrenses Tortolo, Bonamin e Grasseli, e o habitual núncio Pio Laghi. Mas também o nome do atual cardeal JorgeMario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, que poderia ter se tornado o primeiro papa latino-americano no conclave após a morte de Wojtyla, vencido por Ratzinger.
De acordo com Il Manifesto, “uma vitória do jesuíta Bergoglio teria sido uma desgraça não menor daquela do pastor alemão”. E Verbitsky, segundo o jornal, explica e documenta o por quê.
“Esclarecedor e demolidor, em particular, é o acontecimento dos dois padres jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics, que fizeram o erro de trabalhar nas favelas de Buenos Aires e por isto foram traídos e entregues aos militares por Bergoglio (que obviamente nega)”, diz o jornal a partir de relatos do jornalista.
Verbitsky contou estes fatos na Universidade de Roma, apresentando o livro, acompanhado pelo vice-reitor Maria Rosalba Stabili e pelo professor Cláudio Tognonato. Eles três e outros inumeráveis participantes falarão hoje e amanhã da “Argentina: 30 anos do golpe. O Exílio na Itália” destaca o Il Manifesto.
***
Bergoglio: “Mentiras e calúnias” na igreja argentina
18 de abril de 2012
Em 1995, o jesuíta Francisco Jalics publicou o livro Ejercicios de meditación. Ao narrar seu sequestro, dizia que:
Muitas pessoas que sustentavam convicções políticas de extrema-direita viam com maus olhos nossa presença nas favelas. Interpretavam o fato de que vivêssemos ali como um apoio à guerrilha e se propuseram nos denunciar como terroristas.
Nós sabíamos de onde soprava o vento e quem era o responsável por essas calúnias. Assim, fui falar com a pessoa em questão e lhe expliquei que ele estava jogando com as nossas vidas. O homem me prometeu que faria saber aos militares que não éramos terroristas. Por declarações posteriores de um oficial e 30 documentos aos quais pude ter acesso mais tarde, pudemos comprovar sem lugar a dúvidas que esse homem não cumpriu sua promessa, mas, pelo contrário, havia apresentado uma falsa denúncia aos militares.
Em outra parte do livro, ele acrescenta que essa pessoa tornou “crível a calúnia, valendo-se de sua autoridade” e “testemunhou diante dos oficiais que nos sequestraram que havíamos trabalhado na cena da ação terrorista. Pouco antes, eu havia manifestado a essa pessoa que ele estava jogando com as nossas vidas. Ele devia ter consciência de que nos mandava a uma morte certa com as suas declarações”.
A identidade dessa pessoa que é revelada em uma carta que Orlando Yorio escreveu em Roma em novembro de 1977, dirigida ao assistente geral da Companhia de Jesus, padre Moura. Esse texto permite conhecer o resto da história, pelo testemunho direto de uma das vítimas.
A reportagem é de Horacio Verbitsky, publicada no jornalPágina/12, 10/4/2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nessa recapitulação escrita 18 anos antes que o livro de Jalics, Yorio conta a mesma coisa, mas em vez de “uma pessoa” diz JorgeMario Bergoglio [cardeal arcebispo de Buenos Aires]. Conta que Jalics falou duas vezes com o provincial, que “se comprometeu a frear os rumores dentro da Companhia e a se adiantar para falar com os membros das Forças Armadas para testemunhar nossa inocência”. Também menciona as críticas que circulavam na Companhia de Jesus contra ele e Jalics: “Fazer orações estranhas, conviver com mulheres, heresias, compromisso com a guerrilha”, semelhantes às que Bergoglio transmitiu à chancelaria. Yorio não conhecia a existência desse documento, que eu encontrei cinco anos depois de sua morte. Em seu livro, Bergoglio diz o mesmo que lhes transmitia a Jalics e Yorio: que ele não acreditava na veracidade dessas acusações. Por que, então, devia comunicá-las ao governo militar, como prova o documento que se reproduz abaixo

Uma boca importante

Quando Bergoglio disse que havia recebido relatórios negativos sobre ele, Yorio falou com os consultados por meio de seu superior. Pelo menos três deles (os sacerdotes Oliva, José Ignacio Vicentini e Juan Carlos Scannone) lhe disseram que não haviam opinado contra ele, mas sim a favor. No clima da Argentina, a acusação de pertencer à guerrilha em “uma boca importante (como a de um jesuíta) podia significar simplesmente a nossa morte. As forças de extrema-direita já haviam metralhado um sacerdote em sua casinha e haviam raptado, torturado e abandonado morto a um outro. Os dois viviam em favelas. Nós havíamos recebido avisos no sentido de nos cuidarmos”, escreveu Yorio ao padre Moura.
Ele acrescenta que Jalics falou não menos do que duas vezes comBergoglio para fazer com que ele visse o perigo em que essas versões os colocavam. Segundo Yorio, “Bergoglio reconheceu a gravidade do fato e se comprometeu a frear os rumores dentro da Companhia e a falar com membros das Forças Armadas para testemunhar nossa inocência. [Mas como] o provincial não fazia nada para nos defender, começamos a suspeitar de sua honestidade. Estávamos cansados da província e totalmente inseguros”.
Tinham seus motivos. Durante anos, Bergoglio os havia submetido a um fustigamento insidioso, sem assumir de forma aberta as acusações contra ele, que sempre atribuía a outros sacerdotes ou bispos que, uma vez confrontados, o desmentiam. Bergoglio havia lhes garantido uma continuidade de três anos em seu trabalho na vila de Bajo Flores. Mas informou ao arcebispo Juan Carlos Aramburu que estavam ali sem autorização. O aviso lhes chegou por meio de um dos fundadores do Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo e da pastoral villera, Rodolfo Ricciardelli, a quem o próprio Aramburu havia contado. Quando Yorio o consultou,Bergoglio lhe disse que Aramburu “era um mentiroso” e que empregava essas “táticas para incomodar a Companhia”.
A infâmia pública
Em nosso intercâmbio epistolar, Yorio defendeu que, no clima de medo e delação instalado dentro da Igreja e da sociedade, os sacerdotes que trabalhavam entre os mais pobres “eram demonizados, postos em suspeita dentro de nossas próprias instituições e acusados de subverter a ordem social”.
Nesse contexto, foram submetidos por Bergoglio “à proibição e à infâmia pública de não poder exercer o sacerdócio, dando assim ocasião e justificação para que as forças repressivas fizessem com que desaparecêssemos. Podiam nos avisar de que havia perigos, mas sem frear as difamações das que os mesmos que nos faziam o serviço de nos avisar eram cúmplices. Podiam nos alertar que estávamos marcados e acusados, mas mantendo no mistério e na ambiguidade as causas da acusação, tirando-nos assim a possibilidade de nos defender”.
Uma vez que saíram da Companhia de Jesus, Bergoglio lhe recomendou que fossem ver o bispo de Morón, Miguel Raspanti, em cuja diocese poderiam salvar o sacerdócio e a vida. O provincial se ofereceu para enviar um relatório favorável para que os aceitasse. Yorio e Jalics souberam pelo vigário e por alguns sacerdotes da diocese de Morón que a carta do provincial Bergoglio a Raspanti continha acusações “suficientes para que não pudéssemos exercer mais o sacerdócio”.
“Não é verdade. Meu relatório foi favorável. O que acontece é que Raspanti é uma pessoa de idade que às vezes se confunde”, defendeu-se Bergoglio diante de Yorio. Mas em seu novo encontro com o bispo de Morón, ratificou as acusações, segundo o relato que Raspanti transmitiu a outro sacerdote da comunidade de Bajo Flores, Luís Dourrón. Yorio insistiu então com Bergoglio.
“Raspanti diz que seus sacerdotes se opõem a que vocês entrem na diocese”, arguiu desta vez o provincial.
Outra alternativa possível era que eles se integrassem à Equipe da Pastoral Villera do Arcebispado de Buenos Aires. Seu responsável, padre Héctor Botán, propôs isso ao arcebispo Aramburu.
“Impossível. Há acusações muito graves contra eles. Não quero nem vê-los”, respondeu-lhe.
Um dos sacerdotes villeros se queixou ao vigário episcopal da região de Flores, Mario José Serra.
“As acusações vêm do provincial”, explicou-lhe Serra.
O próprio Serra foi encarregado de comunicar a Yorio que haviam lhe retirado sua licença para exercer seu ministério na arquidiocese, devido ao fato de que o provincial havia informado que “eu saí da Companhia”.
“Não tinham por que te tirar a licença. Essas são coisas do Aramburu. Eu te dou licença para que continues celebrando missa em privado, até que consigas um bispo”, disse-lhe Bergoglio.
A última tentativa para lhes conseguir um bispo que os incardinasse foi feita pelo sacerdote da arquidiocese Eduardo González. Convocado à Assembleia Plenária do Episcopado que começou no dia 10 de maio de 1976, ele propôs o caso ao arcebispo de Santa Fé, Vicente Zazpe.
“Não é possível se encarregar deles, porque o provincial anda dizendo que vai lhes tirar da Companhia”, defendeu.
A Equipe da Pastoral Villera enviou uma carta de protesto aBergoglio, com cópia ao núncio Pio Laghi, a Aramburu e a Raspanti, que não responderam. O tempo havia se esgotado, e poucos dias depois Yorio e Jalics foram sequestrados, conduzidos à Esma [Escola de Mecânica da Armada] e depois a uma casa operativa, na qual foram torturados.
Um interrogador com ostensivos conhecimentos teológicos disse a Yorio que sabiam que ele não era guerrilheiro, mas que, com o seu trabalho na vila, unia os pobres, e isso era subversivo. Sua liberdade foi negociada pelo governo em troca de que o episcopado recebesse o chefe do Estado-Maior do Exército, Roberto Viola, e o ministro da Economia, José Martínez de Hoz. Um dia antes dessa visita ao episcopado, Yorio e Jalics foram drogados e depositados por um helicóptero em um banhado de Cañuelas.
Depois de recuperar a liberdade, Yorio se refugiou em uma igreja e depois na casa de sua mãe. A proteção de um bispo era mais urgente do que nunca. O único que o aceitou foi Jorge Novak. Quando começaram as batidas policiais na região e soube que perguntavam por Yorio, Novak insistiu para que ele saísse do país. “Bergoglio não queria me mandar para Roma, mas por pressão da minha família e de Novak eu saí. Estava escondido, porque houve uma ordem de Videla para me buscar”, escreveu-me Yorio em 1999.
Quando reapareceram em Cañuelas, a então irmã Norma Gorriarán, da Companhia de Maria, visitou Yorio na casa de sua mãe. Em uma entrevista para o meu livro História política da Igreja Católica argentina, realizada no dia 27 de julho de 2006, ele lembrou que estavam descascando ervilhas quando chegou a irmã de Yorio com a informação de que o estavam buscando. “Eu o levei a uma casa de irmãs em Villa Urquiza, onde tive Orlando por um mês, em uma salinha, no terraço”.
Bergoglio exigiu que dissesse onde estava Yorio, “aparentemente para protegê-lo. Mas não me parecia confiável”. A religiosa se negou. Bergoglio “tremia, furioso pelo fato de que uma freira insignificante o enfrentava. Apontava para mim e me dizia: ‘Você é responsável pelos riscos que Orlando corre, onde quer que esteja’. Ele queria saber onde ele estava”.
Por último, Laghi conseguiu os documentos para ele, e Bergogliolhe pagou a passagem para Roma. “Mas ele não pôde me dar nenhuma explicação sobre o ocorrido antes. Adiantou-se a me pedir por favor que não as desse, porque se sentia muito confuso e não saberia me dar essas informações. Eu também não lhe disse nada. O que poderia lhe dizer?”.
Yorio lembrou que apenas em Roma o secretário do geral dos jesuítas “tirou a venda dos meus olhos”. Esse jesuíta colombiano, o padre Cândido Gaviña, “me informou que eu havia sido expulso da Companhia. Também me contou que o embaixador argentino no Vaticano havia lhe informado que o governo dizia que havíamos sido capturados pelas Forças Armadas porque os nossos superiores eclesiásticos haviam informado o governo que pelo menos um de nós era guerrilheiro. Gaviña pediu-lhe que confirmasse isso por escrito, e o embaixador o fez”.
Em troca, Jalics viajou aos Estados Unidos e depois à Alemanha. Escreveu que tinha mais ressentimento para quem os havia entregue do que contra seus capturadores e, apesar da distância, “não cessavam as mentiras, calúnias e ações injustas”. Mas, conta em seu livro, em 1980, queimou os documentos comprovatórios do que ele chama de “o delito” de seus perseguidores. Até então, os havia guardado com a secreta intenção de utilizá-los. “Desde então me sinto verdadeiramente livre e posso dizer que perdoei de todo o coração”.
Em 1990, durante uma de suas visitas ao país, Jalics se reuniu no instituto Fé y Oración, da rua Oro 2760, com Emilio e Chela Mignone. Segundo a ata desse encontro, escrita por Mignone, Jalics lhes disse que “Bergoglio se opôs a que, uma vez posto em liberdade, ele permanecesse na Argentina e falou com todos os bispos para que não o aceitassem em suas dioceses em caso de se retirar da Companhia de Jesus”. Bergoglio diz agora que, quando Jalics vem ao país, ele o visita. A família de Yorio tem uma informação diferente: é Bergoglio quem o busca, como parte de sua operação de dissimulação.
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O papel de Bergoglio na ditadura argentina
Diante de um grande público, no qual se encontravam membros da Igreja Católica e de outras confissões, foi apresentado nesta sexta-feira o livro El jesuita: Conversaciones con el cardenal Jorge Mario Bergoglio, dos jornalistas Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin.
A nota é do jornal Clarín, 12/6/2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No livro, Bergoglio defende sua atuação durante a última ditadura depois que o jornalista Horacio Verbitsky o acusou em uma série de artigos de ter virtualmente “entregue” ao governo militar dois sacerdotes de sua congregação, a Companhia de Jesus, que trabalhavam em uma vila portenha.
Bergoglio também se refere à atuação da Igreja nos anos de chumbo. A apresentação esteve a cargo de “Canela” [a jornalista Gigliola Zecchin]; Juan Carr, da Rede Solidária e de Alberto Zimerman, da Daia.

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