Malas,
mochilas, por vezes sacos de plástico, chegavam todos os meses. Dezenas de
milhões de dólares em dinheiro vivo eram, na prática, um fundo para subornos.
O Presidente afegão, Hamid Karzai, reconheceu: os serviços
secretos americanos, CIA, deram, nos últimos dez anos, importantes somas de
dinheiro ao seu gabinete. Segundo o The
New York Times, que deu a notícia, parte do dinheiro foi distribuído por
"senhores da guerra", alguns ligados ao tráfico de droga e aos
taliban, para comprar a sua lealdade.
O dinheiro
norte-americano, dezenas de milhões de dólares, segundo o jornal, foi entregue
ao Conselho Nacional de Segurança (CNS), um organismo dependente da
presidência. “Sim, o CNS recebeu dinheiro da CIA nos dez últimos dez anos”,
disse Karzai, numa declaração feita durante uma visita a Helsínquia, que
confirma uma investigação do NYT. "Não foram montantes importantes”,
acrescentou
Karzai não quantificou os
montantes recebidos, mas falou em “pequenas quantias” que eram entregues
mensalmente. Não deu explicações claras sobre o modo como o dinheiro foi gasto.
“Esse dinheiro foi usado para diversos fins: operações, ajuda a feridos e
doentes, arrendamento de casas, entre outros".
O jornal escreveu na
segunda-feira, citando antigos e actuais colaboradores do líder afegão, que, a
partir de Janeiro de 2003, a CIA começou a entregar mensalmente ao departamento
presidencial malas, mochilas, por vezes sacos de plástico de compras, com
dezenas de milhões de dólares em dinheiro vivo ao CNS, com o objectivo de
apoiar a luta clandestina contra a Al-Qaeda e os seus aliados e reforçar a
influência norte-americana no Afeganistão. Acrescenta que não foi feito
qualquer controlo sobre o modo como foi gasto.
O dinheiro terá sido gasto
com pagamentos a "senhores da guerra", políticos e outras figuras de
cujo apoio Karzai dependia. Antigos e actuais dirigentes afegãos citados pelo New
York Times consideram
que esse dinheiro foi basicamente usado como fundo para subornos e para cobrir
despesas que a presidência pretendia manter secretas. Não há dúvidas de que
contribuiu para fazer crescer a corrupção. Um responsável norte-americano não
identificado pelo jornal considera que os Estados Unidos têm sido “a maior
fonte de corrupção no Afeganistão”.
“Chamávamos-lhe dinheiro
fantasma”, disse ao jornal Khalil Roman, vice-chefe de gabinete de Karzai entre
2002 e 2005. “Chegava em segredo e partia em segredo.” Segundo o diário
norte-americano, Abdul Rashid Dostom, cuja milícia fazia parte da
coligação que derrubou os talibans, receberia cerca de 100 mil dólares por mês.
Ahmed Wali, irmão de Karzai, líder de uma milícia apoiada pela CIA, assassinado
em 2011, foi outro dos dirigentes que recebeu dinheiro.
A notícia da existência de
financiamentos secretos à presidência do Afeganistão não é nova. Em 2010,
quando foi revelado que o Irão tinha feito entregas de dinheiro a um
conselheiro de Karzai, o Presidente disse, numa declaração agora recuperada
pelo NYT: “Os Estados Unidos fazem a mesma coisa. Fornecem dinheiro a alguns
dos nossos departamentos”. Na altura, colaboradores do líder afegão disseram
que se estava a referir à ajuda oficial de Washington, mas um antigo
conselheiro afirmou recentemente que estava a falar concretamente das malas e
sacos da CIA.
Teerão interrompeu, segundo fontes
afegãs, o envio de dinheiro depois de, no ano passado, contra as objecções do
Irão, os governos de Cabul e Washington terem assinado uma parceria
estratégica. Mas o financiamento norte-americano continuou, segundo o jornal.
Ainda antes de ter começado a
financiar directa e secretamente a presidência afegã, os Estados Unidos pagaram
a “senhores da guerra” afegãos que lutarem contra os talibans, na fase da
invasão, em 2001, e, depois disso, na luta contra a Al-Qaeda. “Pagámos-lhes
para que derrubassem os taliban”, disse um responsável norte-americano citado
pelo The New
York Times.
=Público=