O antigo chefe da Marinha da Guiné-Bissau foi
preso. Outro militar indiciado por Washington por narcotráfico continua no
poder. Chama-se Ibraima Papa Camará e é chefe de Estado-Maior da Força Aérea.
Militares da Guiné-Bissau estão na mira da justiça
norte-americana
O almirante Bubo Na Tchuto, figura influente e controversa das
Forças Armadas da Guiné-Bissau, foi extraditado para os Estados Unidos depois
de ter sido preso numa operação conduzida por uma brigada de combate ao
narcotráfico norte-americana em águas internacionais junto à zona marítima de
Cabo Verde.
A notícia foi avançada pela Rádio Televisão de Cabo Verde e por
várias agências esta quinta-feira. Nunca antes tinha havido a detenção de uma
figura do poder da Guiné-Bissau por envolvimento no narcotráfico, apesar dos
avisos e pronunciamentos dentro e fora da Guiné a ligar o tráfico de droga – e
o seu aumento desde o golpe de Estado de 12 de Abril do ano passado – a
militares e políticos do país. Não havia cooperação dos golpistas no poder
desde então para uma operação em território da Guiné-Bissau.
Bubo Na Tchuto era, desde 2010, uma das duas altas
figuras militares da Guiné-Bissau apontadas como estando envolvidas no
narcotráfico, numdocumento do
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Com
ele, também responsabilizado judicialmente por Washington por tráfico de droga,
o chefe de Estado-Maior da Força Aérea, Ibraima Papa Camará, que continua no
poder ao lado do chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA),
general António Indjai, que chegou a chefe máximo das forças armadas em Abril
de 2010 depois de destituir Zamora Induta e nomeou Papa Camará (apesar da
pressão dos Estados Unidos para não o fazer) e liderou o golpe do ano passado.
Bubo
Na Tchuto sempre negou o envolvimento no narcotráfico, de que se
fala desde 2006, em Setembro, quando se realizou a primeira grande
apreensão de droga em Bissau. Bubo era então chefe de Estado-Maior da Marinha e
foi acusado, nunca formalmente, de ter permitido o descarregamento de uma
grande quantidade de cocaína proveniente da América Latina, numa operação
conduzida por narcotraficantes colombianos.
Dois
colombianos foram então presos por transportarem mais de 670 quilos de cocaína,
a maior quantidade de droga apreendida na história do país. Mas pouco tempo
depois foram libertados. Foi o primeiro grande caso, de outros que viriam a
suceder-se com contornos semelhantes: narcotraficantes da América Latina presos
e depois libertados, ameaças em Bissau a quem, nas instituições, do Governo à
justiça, tentava barrar o caminho dos traficantes, e sinais de cumplicidade e
envolvimento das chefias militares em toda a acção, acompanhados de lutas de
poder dentro da instituição, determinadas por esses interesses.
Também
em 2007, dois colombianos, entre eles Juan Pablo Camacho, com supostas ligações
ao narcotraficante Pedro Manuel Ortega-Fouz, foram presos em Bissau
e depois libertados numa operação em que foram apreendidas armas, munições
e quase 100 mil euros que estariam relacionados com o tráfico. Antes, dois
militares, incluindo o chefe de gabinete do então CEMGFA Tagmé Na Waie foram
presos por suposto envolvimento num descarregamento de droga, e depois
libertados quando foi requisitada a sua transferência para os quartéis.
Presos e depois libertados
A situação agravou-se. E em 2008 a Liga Guineense dos Direitos Humanos denunciava as ameaças de morte feitas contra a ministra da Justiça, Carmelita Pires, o Procurador-Geral Luís Manuel Cabral e a Directora Polícia Judiciária, Lucinda Barbosa Ahukarié, desde 2007, pelas “suas posições contra o tráfico de droga e a sua vontade de prender e processar traficantes de droga e os seus cúmplices”.
A situação agravou-se. E em 2008 a Liga Guineense dos Direitos Humanos denunciava as ameaças de morte feitas contra a ministra da Justiça, Carmelita Pires, o Procurador-Geral Luís Manuel Cabral e a Directora Polícia Judiciária, Lucinda Barbosa Ahukarié, desde 2007, pelas “suas posições contra o tráfico de droga e a sua vontade de prender e processar traficantes de droga e os seus cúmplices”.
Hoje
a viver em Portugal por motivos de segurança, Carmelita Pires, que assumiu a
pasta da Justiça entre 2007 e 2009, congratula-se com esta operação dos Estados
Unidos e agradece. "É o coroar de um esforço nacional, desde Abril de
2007, com o apoio internacional. E é um aviso aos narcotraficantes em toda a
África Ocidental e, em particular, aos implicados no narcotráfico na
Guiné-Bissau", disse ao PÚBLICO. E especifica: "Significa que os
implicados não poderão, a partir de agora, agir tão à vontade porque nas
operações de tráfico podem ter de sair do território da Guiné-Bissau."
Se
na Guiné não seria possível prender os responsáveis por não haver cooperação
das autoridades no poder, fora a situação é diferente, realça a
ex-governante. O poder militar instalou-se em Bissau mas "as polícias
norte-americana e internacional continuaram a trabalhar". "Não é
possível prender dentro da Guiné, mas é possível fora", salienta Carmelita
Pires que conclui: "Ainda bem que os Estados Unidos vieram em socorro ao
esforço nacional desenvolvido e por isso temos que lhes agradecer."
Entre
esses "cúmplices" referidos no relatório de Direitos Humanos de 2008,
Bubo Na Tchuto. Mas também Ibraima Papa Camará, o segundo nome apontado pelo
Tesouro dos EUA como estando ligados, entre outros, ao descarregamento de droga
num avião da Venezuela em Julho de 2008.
Nesse
caso, dois venezuelanos foram presos em pleno centro de Bissau à saída do
Hotel 24 de Setembro onde estavam alojados. O seu avião chegara à base
aérea militar de Bissalanca, perto de Bissau, e a zona ficara protegida
por militares e barrada a elementos da Polícia Judiciária e da guarda de
fronteira, não podendo a droga ser apreendida. Era um avião de grande
capacidade, pilotado pelo venezuelano Vaskez Guerra, contra quem foi emitido um
mandado de captura e um pedido de extradição do México, que ficou sem efeito.
Os quatro detidos na operação, dos quais esses dois venezuelanos, foram
libertados sob pretexto de serem presentes ao juiz de Instrução Criminal para
comparecer no Ministério Público. Nunca mais foram vistos em Bissau. Sob
pressão da União Europeia, o juiz foi suspenso e quando retomou funções foi
colocado no interior do país.
Esse
episódio do avião da Venezuela trouxe à Guiné-Bissau elementos da Interpol e da
Drug Enforcement Agency dos Estados Unidos, a pedido da parte das instituições
guineenses comprometidas com o combate ao tráfico, como a Polícia Judiciária.
Também a GNR portuguesa cooperou com o envio de cães farejantes que
contribuíram para reunir provas de que o avião transportava grandes quantidades
de droga.
A
investigação conjunta, com apreensão de material electrónico, permitiu
reconstituir os passos dessa operação do avião que aterrou em Bissalanca e
concluir um relatório. Esse documento terá contribuído para esta
acção judicial do Tesouro dos Estados Unidos, apontando como narcotraficantes
Bubo Na Tchuto, ex-chefe da Marinha, e Papa Camará, actual chefe da Força
Aérea.
A
acção judicial emitida pela Secção de Controlo de Activos Estrangeiros do
Departamento do Tesouro dos EUA proíbe quaisquer ligações comerciais ou
financeiras de cidadãos norte-americanos com Bubo Na Tchuto e Papa Camará, e
congela quaisquer activos que estes tenham em território americano. Na
declaração do Tesouro dos EUA, lê-se que ambos têm um papel significativo no
tráfico internacional de droga.
Esta
acção, escreveu então o director da secção, Adam J. Szubin, “sublinha o papel
nefasto que a corrupção ligada ao narcotráfico desempenha na África Ocidental,
especialmente na Guiné-Bissau”. “A acção contra Na Tchuto e Camará limita a sua
capacidade de beneficiarem do tráfico de droga e de se envolverem em
actividades de desestabilização”, acrescentou.
Influência, poder e ascensão
Bubo Na Tchuto foi chefe do Estado-Maior da Armada entre 2003 e 2008 e protagonizou ou foi acusado de várias acções de golpes ou supostos golpes de acordo com a influência que ganhava ou perdia dentro das Forças Armadas. Terá tido um papel na ascensão ao poder de António Indjai.
Bubo Na Tchuto foi chefe do Estado-Maior da Armada entre 2003 e 2008 e protagonizou ou foi acusado de várias acções de golpes ou supostos golpes de acordo com a influência que ganhava ou perdia dentro das Forças Armadas. Terá tido um papel na ascensão ao poder de António Indjai.
Numa
acção conjunta em Abril de 2010, os dois militares prenderam o
primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e o então chefe das Forças Armadas,
comandante Zamora Induta. O primeiro-ministro foi libertado, mas deposto, um
ano depois. Zamora Induta nunca regressou ao cargo e está fora do país. António
Indjai foi confirmado no cargo pelo Presidente Malam Bacai Sanhá (que
entretanto morreu por motivos de saúde) apesar do ultimato da União Europeia
que acabou por abandonar a sua participação na Reforma da Defesa e Segurança
iniciada no país.
Quando,
em Outubro de 2012, foi questionado pela revista Time sobre
o alegado envolvimento das chefias militares no crime organizado e tráfico de
droga na Guiné-Bissau, o general António Indjai respondeu: “Mostrem-me as
provas disso.”
Já
este ano, a Liga Guineense dos Direitos Humanos voltou a denunciar o
tráfico de droga como forma de enriquecimento ilícito e principal factor da
instabilidade política na Guiné-Bissau mas também como mecanismo "através
do qual os oficiais superiores têm vindo a consolidar o seu poder".
Um relatório
de Dezembro passado do secretário-geral da ONU Ban Ki-moon ao Conselho de
Segurança não deixava margem para dúvidas: o tráfico de drogas registara uma
“forte intensificação” desde o golpe de Estado de 12 de Abril
liderado pelo general António Indjai. E isso, dizia
Ban Ki-moon, num contexto em que a cumplicidade e “o apoio de membros
das forças de defesa e segurança e das elites políticas” estavam a permitir que
os grupos de criminalidade organizada transitassem mais facilmente pela
Guiné-Bissau. “Centenas de quilos de cocaína estarão assim a entrar
clandestinamente em cada operação” e cada operação terá lugar “uma ou duas
vezes por semana sem nenhuma intervenção dos poderes públicos”, sublinhava
o secretário-geral da ONU.
Por
essa altura, uma reportagem em Bissau publicada no New
York Timessugeria que o golpe de Estado tinha sido motivado pelos
interesses do narcotráfico e dos narcotraficantes e chamava ao golpe de 12 de
Abril um “golpe de cocaína".
=Público=
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