Há crianças
que precisam de aprender em escolas separadas para conhecerem o seu verdadeiro
eu, acredita a especialista.
Abigail
Norfleet James já publicou vários livros sobre o ensino diferenciado
Abigail Norfleet James estudou numa escola só para raparigas, a
St. Catherine’s School, em Richmond, Virgínia, Estados Unidos. Começou a dar
aulas na década de 1970, assim que terminou a licenciatura e sempre se debruçou
sobre as diferenças de aprendizagem entre rapazes e raparigas.
Por isso,
na sua tese de doutoramento, em 2001, comparou licenciados, do sexo masculino,
que frequentaram escolas diferenciadas com os que aprenderam em escolas mistas.
Já publicou vários livros sobre o tema. Como ensinar o cérebro masculino e Como
ensinar o cérebro feminino são alguns dos títulos.
A especialista em educação está em
Portugal a convite da Associação Europeia das Escolas de Educação Diferenciada
(EASSE) e, na sexta-feira, fez algumas formações para professores nesta área. O
objectivo é que os docentes “adeqúem as suas metodologias aos avanços
científicos no que se refere às diferenças do cérebro das raparigas e dos
rapazes e Abigail Norfleet James é uma das maiores especialistas nesta área”,
justifica Margarida Garcia dos Santos, presidente da associação em Portugal,
acrescentando que esta informação pode ajudar a combater o insucesso escolar.
Este sábado, à tarde, no IV
Congresso Internacional de Educação Diferenciada, em Lisboa, a investigadora
norte-americana vai falar sobre o que os professores precisam de saber sobre os
rapazes e as raparigas na sala de aula. Ao PÚBLICO aponta as diferenças de
géneros e a importância da liberdade de escolha por parte dos pais para puderem
optar por escolas separadas ou mistas.
Elizabeth
Spelke, especialista em psicologia cognitiva que trabalha com bebés no seu
BabyLab na Universidade de Harvard,diz que não existem diferenças entre as capacidades
cognitivas dos rapazes e das raparigas. Concorda?
Abigail Norfleet James –
Não. Sabemos que as raparigas aos 20 meses, em média, têm o dobro do
vocabulário do que os rapazes com a mesma idade. Isso significa que, desde o
início, elas têm mais capacidades de se expressarem verbalmente. Mesmo que não
se acredite neste facto, existem diferenças cognitivas entre rapazes e
raparigas e só isso vai fazer com que se desenvolvam diferenças. Sublinho que
estou a falar da média dos rapazes e das raparigas e não de crianças
individualmente. É provável que não existam diferenças entre uma rapariga e um
rapaz, em termos individuais, mas quando olhamos para grupos de crianças, as
diferenças existem e os professores trabalham com crianças e com grupos. O
problema da neurociência é que observa os indivíduos enquanto na educação se
trabalha com grupos e essa pode ser a fonte de discordância nesta área.
Mas não é
controverso dizer que os cérebros dos rapazes são diferentes dos das raparigas?
Não há qualquer controvérsia. As
diferenças são claras e os investigadores do Instituto Nacional de Saúde dos
Estados Unidos têm vários resultados que vão nesse sentido. Sabemos que no
cérebro, o hipocampo (o órgão que torna as memórias de curto prazo em memórias
de longo prazo) se desenvolve mais cedo nas raparigas. Isso significa que elas
têm melhores memórias do que os rapazes? As evidências baseiam-se em testes de
palavras e sabemos que as meninas têm capacidades verbais melhores do que os rapazes,
ou seja, o que os testes revelam são as suas capacidades verbais e não da
memória. A amígdala (outro órgão do córtex cerebral que nos permite lidar com
as emoções fortes) desenvolve-se mais rapidamente nos meninos e isso pode
explicar porque é que eles são mais reactivos e mais barulhentos do que elas.
Os lóbulos pré-frontais (que nos ajudam a tomar decisões fundamentadas e a
controlar os nossos impulsos) terminam de se desenvolver aos 18/20 anos nas
raparigas e por volta dos 20/25, às vezes até aos 30 anos, nos rapazes.
As
diferenças não podem estar na forma como os educamos – a escolha de brinquedos
que os pais fazem para os rapazes pode levá-los a ser mais reactivos e
barulhentos? As diferenças entre homens e mulheres não são culturais ou mesmo
históricas – o homem caçador e a mulher recolectora – e, por essa razão,
influenciarem o modo como cada género se comporta e aprende?
Assume que as diferenças são
determinadas pelos pais ou pela cultura. Eu penso que os pais e a cultura estão
simplesmente a responder a comportamentos que vemos nas crianças. Os pais dão
carros aos rapazes porque os seus olhos respondem bem ao movimento e dão
bonecas às raparigas porque elas respondem bem aos rostos. Os pais não sabem
isso, mas se dermos uma boneca a um rapaz ele vai virá-la de cabeça para baixo
ou tratá-la como se fosse um jogo de construção; ao passo que as raparigas vão
dar nomes aos carros e tratá-los como se fossem seres vivos. A ideia da cultura
caça/recolha pode ter chegado a nós através do nosso ADN. Um novo campo de
conhecimento, a epigenética, dedica-se a observar como é que o nosso
comportamento muda as moléculas no nosso ADN e começa a compreender que essas
mudanças podem passar para as crianças.
Defende a
educação diferenciada a partir de que idade?
Os rapazes e as raparigas são
muito diferentes logo no pré-escolar e é aí que se adquirem os hábitos
escolares. Normalmente só notamos as diferenças quando chegam à puberdade ou,
às vezes, mais tarde.
Os rapazes
devem ser ensinados só por homens e elas por professoras?
A investigação diz que não
interessa quem os ensina, mas que os professores compreendam como é que cada um
dos géneros aprende. Eu sou uma excelente professora de Ciências para rapazes
porque sou mais visual e gosto de trabalhar no laboratório. Desenho imenso para
ilustrar o que estou a dizer, uso quadros e gráficos com informação porque os
rapazes gostam disso, ao passo que as raparigas gostam de saber mais e estão
sempre a perguntar.
A escola
ideal é a que separa os géneros?
Depende da criança. Algumas
precisam de escolas diferenciadas, outras não. O que precisamos, como pais, é
de ter liberdade de escolha.
Não é
saudável que rapazes e raparigas estejam juntos? Esse modelo existe: escolas
onde os alunos são separados por géneros nas salas de aula mas que se encontrem
durante o dia?
Nas escolas diferenciadas da
Islândia, os rapazes vão às aulas em metade do edifício e a outra metade é para
as raparigas. Durante uma hora por dia, eles encontram-se para fazer
actividades que não contam para a avaliação, por exemplo, fazer um puzzle, ter
uma aula de música ou participar num projecto comunitário. Contudo, não os deixam
estar no mesmo recreio porque os rapazes tomam conta das estruturas de escalada
e as raparigas fazem actividades de grupo mais calmas. Mas quando as raparigas
estão sozinhas no recreio, elas fazem escalada, construções e brincam com mais
barulho e à-vontade.
Mas não é
importante conhecer e crescer com o outro género?
Sem dúvida, por isso gosto do
modelo islandês e recomendo que rapazes e raparigas trabalhem em conjunto.
Contudo, as crianças têm mais oportunidades de se desenvolverem se não
estiverem a ser constantemente comparadas com o outro género – “eu não sou
forte porque não consigo atirar a bola tão longe quanto um rapaz”, esta ideia
nunca me ocorreu porque andei numa escola só para raparigas, atirava a bola e
pronto. Quando conheci rapazes eu era eu e não uma ideia do que eu pensava que
os rapazes queriam de mim.
Está a
dizer que a educação diferenciada não promove os estereótipos de género?
Na realidade, a educação mista é
que os promove porque as crianças acreditam que certos comportamentos não são
próprios do seu género. Nas escolas separadas não há limites sobre aquilo em
que cada criança se pode transformar e, por isso, eu sou uma mulher cientista e
o meu filho canta música clássica – ambos andámos em escolas separadas.
Actualmente,
em Portugal as escolas que existem de ensino diferenciado estão ligadas a uma
instituição da Igreja Católica, a Opus Dei, e às Forças Armadas, quer comentar?
Eu gostaria que existissem outras
que não tivessem qualquer ligação, mas já é um bom começo. As escolas são diferenciadas
não porque pertençam a uma religião ou às Forças Armadas mas porque essas
instituições tradicionalmente tinham esse tipo de escolas. No resto do mundo,
conheço escolas mistas que pertencem a congregações religiões ou são escolas
militares.
No nosso
país, a educação diferenciada existiu nas escolas públicas até ao início da
década de 1970. Promover esse tipo de sistema não é um regresso ao passado?
Ter já existido não é razão para
se deitar fora. O sistema misto não funcionou assim tão bem. O que eu gostaria
é que os pais tivessem liberdade de escolha. Na Nova Zelândia, todas as cidades
têm, pelo menos, três escolas secundárias – uma mista, uma para raparigas e
outra para rapazes. Para onde é que cada criança vai é com os pais. Não é um
mau sistema. Há regiões nos Estados Unidos onde as escolas diferenciadas são
públicas. O sistema de educação diferenciado é uma escolha maravilhosa para as
crianças, mas não devem ser a única opção.
=Público=
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