Crónica de uma cidade que cativa e repulsa,
como se fossemos sempre visitas em nossa própria casa
A megalópolis São
Paulo não é uma cidade imediata, evidente e de amores fáceis. Ao contrário da
sua vizinha e "rival" Cidade Maravilhosa, não existe uma praia
mágica, florestas luxuriantes e morros divinos. Não há o cortar de respiração
que o fim do dia proporciona num devaneio pincelado de laranja no Arpoador, nem
a magnitude que nos colhe a respiração do alto do Corcovado. Pelo contrário,
cativa e repulsa como se fossemos sempre visitas em nossa própria casa.
O que mais me
impressionou foi o tamanho, a dimensão de tudo e do nada. Estimam-se em 500 mil
o número de "moto-boys" (pessoas que fazem entregas) na grande SP, as
rendas chegam a 5 mil reais (2 mil €) por um T1 quando o rendimento médio não
chega a 1000 e 3 horas de viagem
diária casa-trabalho é um tempo aceitável. Esta é
a medida de uma cidade com 10 milhões de cidadãos, uma metrópole com 20 e um
Estado com 40 milhões. Carros são sujeitos a "rodízio" (há um dia na
semana em que não podem circular). À vista imediata e irreflectida somos
tolhidos pela imensidão de pessoas, tráfego constante e poluição acima do
razoável, sendo necessário desbravar caminho para admirar o São Paulo
intangível e magistral, que foge a quem, em ritmo apressado, passa com o olhar
mas não vê.
Esta dicotomia social,
que se baseia num crescimento assimétrico (social, económico e urbano) e um
sentimento da busca do eldorado pelos brasileiros do "interior" e
estrangeiros, está umbilicalmente ligada à sua magia. É na simbiose de ritmos,
sabores, cheiros e culturas que São Paulo se cria enquanto metrópole do Mundo e
para o Mundo: da Rua Augusta ao Itaim Bibi, da Avenida Paulista à Japatown, do
Morumbi ao Ibirapuera, dos subúrbios sem fim à Óscar Freire.
Sofisticação e pé descalço
A imensidão de espaços
culturais e desportivos por onde desfilam estrelas e promessas em ascensão de
todos os gostos e estilos não tem paralelo: semanas de moda, concertos de jazz
e rock e pop, musicais da Broadway, teatro, corridas de F1 e Indy, ténis de alto
nível e, claro, futebol o ano todo. Tudo isto regado e alimentado por
estruturas museológicas e gastronómicas que resvalam entre a sofisticação e o
requinte de chefes franceses, italianos e japoneses e da arte ocidental
contemporânea, até ao boteco de pé descalço com delícias mineiras e baianas.
É nesta confluência de
estilos, culturas e modos de vida que descobrimos diariamente surpresas,
recantos e encantos que tornam São Paulo um mundo em miniatura, com pobreza e
riqueza exacerbadas, com exageros, virtudes e defeitos...Tal como na junção dos
rios na Amazónia, também aqui culturas e modos de vida andam em paralelo, dando
as mãos mas não se misturando mais do que o necessário para salpicar de amor e
paixão todos quantos ousam aqui viver.
Não, São Paulo não é
uma paixão fulminante, que nos faz palpitar o coração e sentir um nó no
estômago. São Paulo é um amor de longo prazo, uma maratona de sentimentos que
culmina no amor eterno e profundo que só uma cidade desta diversidade e
descoberta constante consegue proporcionar.
=Público=
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