Luciano
Martins Costa, via Observatório da Imprensa
Na quinta-feira, dia 28/3, que para muitos brasileiros já era
feriado, os chamados jornais de circulação nacional ofereceram aos leitores
mais um exemplo de seu trivial variado, que se torna ainda mais trivial nos
períodos em que o país sai em folgas prolongadas, quando milhões de seus
habitantes trocam de lugar.
Teoricamente, a imprensa poderia acompanhar essas migrações
periódicas, e alguns diários tentam da maneira tradicional, com as assinaturas
móveis, que permitem mandar exemplares para casas de praia nos fins de semana.
Além disso, todos eles já contam com sistemas multiplataforma de edição, o que
lhes dá o condão de colocar seus conteúdos em telefones celulares e outros
aparelhos portáteis de comunicação. Ainda teoricamente, essa seria uma forma de
manter os leitores informados, pela possibilidade de lhes enviar as notícias a
qualquer momento, no formato tradicional de texto, fotografia e legenda que
caracteriza os jornais de papel.
Aparentemente, esse esforço seria suficiente para a imprensa
cumprir sua missão, a de levar notícias e manter informado o distinto cliente.
Acontece que não acontece, ou seja, os jornais já não trazem notícias e é de se
duvidar que mantenham a capacidade de informar o leitor. O máximo que os
jornais fazem, a partir de suas matrizes enraizadas no tempo, é
institucionalizar uma informação conhecida, acrescentando a ela uma opinião
específica, explícita ou dissimulada.
Observemos, por exemplo, o “noticiário” sobre suposta declaração
da presidente da República a respeito da política econômica. Os jornais pegaram
uma frase, que já circulava nas redes sociais por iniciativa da própria
assessoria de imprensa do Executivo, e acrescentaram a ela opiniões de
economistas, entre os quais alguns notoriamente comprometidos com o mercado financeiro.
O resultado foi que, ao dizer que não pretende adotar medidas pontuais contra a
inflação a ponto de sacrificar o crescimento econômico, ela deu espaço para o
desvio de intenção de sua manifestação.
O que a presidente disse foi, textualmente: “Não concordo com
políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento
econômico, até porque nós temos uma contraprova dada pela realidade. Esse
receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado,
você entende? Eu vou acabar com o crescimento do País? Isso daí está datado.
Isso eu acho que é uma política superada”, completou.
Mas sua declaração foi picotada e distorcida pela imprensa.
Curto-circuito no mercado
Os principais jornais do País apanharam a primeira parte da
declaração e foram fazer a costumeira “repercussão” com as fontes de sempre. O
resultado foi uma reação do mercado financeiro, produzindo uma baixa no valor
projetado dos juros futuros.
Nas edições de quinta-feira, dia 28, o tema é manchete no Estadãoe na Folha de S.Paulo e um dos destaques na primeira página
de O Globo, com a imprensa
reproduzindo nova fala da presidente, na qual ela afirma que suas palavras
foram manipuladas. Na versão oficial, “agentes do mercado financeiro estavam
interpretando erroneamente seus comentários”, dando a entender que o governo
não iria combater a inflação. Segundo O
Globo, houve um “curto-circuito no mercado”.
O estrago poderia ter sido grande se a economia nacional
estivesse mais vulnerável, como ocorria com frequência em outras épocas, quando
boatos e interpretações distorcidas de declarações oficiais faziam a alegria
dos especuladores. No caso, o que houve foi apenas uma onda que nasce e morre
no lago restrito da própria imprensa, cujas águas parecem já não se misturar ao
oceano da realidade.
No entanto, o episódio serve de exemplo para o que se quer aqui
discutir: o que é notícia, neste caso? Claramente, a notícia que a imprensa
traz é a não-notícia, ou seja, o desmentido da interpretação de um fato
específico que a própria imprensa havia criado.
Agora, o leitor atento dá uma olhada no resto do jornal. Onde
está a notícia?
Com exceção de um ou outro fato menor, são raríssimos os
exemplos daquilo que em latim se chamava notitia,
exposição de um fato que é novo para o receptor.
Mesmo em trabalhos jornalísticos de maior relevância, o comum é
que o conteúdo da imprensa venha a ser apenas uma confirmação, detalhamento ou
uma nova versão de uma realidade, que o indivíduo imerso no ambiente público já
experimentou ou do qual já tomou conhecimento por outros meios.
A discussão sobre um possível descolamento entre a sociedade
brasileira e a mídia tradicional, iniciada no Observatório da Imprensa na
quarta-feira, dia 27/3 [“A sociedade se descola”] e anteriormente pelo
observador Carlos Castilho, quando tratou de um sentimento de orfandade dos
leitores de jornais [“A orfandade informativa dos leitores de jornais”],
pode se estender a partir dessa percepção: aquilo que nos acostumamos a chamar
de imprensa entrou na era da não-notícia.
O que vem a seguir?
A.
G.
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