Rogoff e
Reinhart concluíram que dívida alta afecta crescimento. Três economistas dizem
que cálculos foram mal feitos
A
austeridade na Europa tem sido justificada pela necessidade de reduzir a dívida
É o debate que domina actualmente a atenção dos economistas. Mas
o assunto tem tudo para interessar a uma plateia muito mais vasta da população,
principalmente nos países que, com a dívida pública a níveis elevados, têm
vindo a ser alvo de severas medidas de austeridade.
Tudo
começou quando Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, dois economistas
norte-americanos, publicaram em 2010 um estudo – com o nome de Growth
in a Time of Debt (Crescimento
num tempo de dívida) – que concluía, usando uma base de dados histórica de 20
países avançados, que, nas economias onde a dívida pública superava os 90% do
PIB, a taxa de crescimento média era de apenas 0,1%, em contraponto com
crescimentos situados entre 3% e 4% nos países com dívida abaixo de 90%.
Ou seja, Rogoff (um ex-economista
chefe do FMI) e Reinhart detectaram a existência de uma forte correlação entre
dívidas públicas altas e crescimento económico mais baixo.
Este não teria sido mais que um
estudo feito por economistas conceituados não fosse o caso de vários
responsáveis políticos o terem citado frequentemente como argumento para a
aplicação de fortes medidas de consolidação orçamental em diversas economias. A
crise financeira internacional que conduziu a uma escalada das dívidas públicas
em muitas economias, muitas vezes para níveis acima da barreira dos 90%,
desencadeou a certa altura uma resposta dos governos, especialmente na Europa,
de redução da dívida por via da austeridade. O estudo de Rogoff e Reinhart foi
muitas vezes lembrado como justificação dessa estratégia de ataque ao
endividamento público, tanto nos EUA como na zona euro.
Em Portugal, por exemplo, o governador do Banco de Portugal lembrou os resultados do estudo Rogoff e Reinhart em algumas das suas intervenções, para afirmar que "a situação é agravada pelo facto do nível de endividamento atingido constituir ele próprio um entrave ao crescimento".
Em Portugal, por exemplo, o governador do Banco de Portugal lembrou os resultados do estudo Rogoff e Reinhart em algumas das suas intervenções, para afirmar que "a situação é agravada pelo facto do nível de endividamento atingido constituir ele próprio um entrave ao crescimento".
O estudo e as interpretações que
lhe foram dadas pelos políticos foram de imediato alvo de várias críticas pelos
opositores das políticas de austeridade. A principal era a de que, havendo esta
correlação entre dívida e baixo crescimento, não era óbvio o que é que
provocava o quê. Ou seja, podia não ser a dívida elevada que fazia as economias
crescer pouco, mas sim o fraco crescimento que fazia aumentar a dívida.
Agora, no entanto, as críticas
subiram um degrau, para o nível da completa rejeição das conclusões do estudo.
Uma investigação publicada por três economistas da Universidade de
Massachussets – Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin – usou exactamente
a mesma base de dados usada por Rogoff e Reinhart (cedida por estes) e chegou a
conclusões completamente diferentes. Em vez de um crescimento médio de 0,1%,
encontraram uma variação do PIB para os países com dívida acima de 90% de 2,2%.
E concluíram que a relação entre crescimento e dívida pública varia muito de
acordo com a época e o país analisado.
Como é que se explicam diferenças
tão significativas? Os três autores dizem ter detectado três erros no estudo de
Rogoff e Reinhart. Primeiro, parecem ter ficado de fora da análise, de forma
inexplicável, três casos de países com dívidas elevadas e crescimento saudável
– Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Depois, os cálculos foram feitos de uma
forma considerada pouco convencional que baixou a taxa de crescimento média em
períodos de dívida elevada. E, por último, foi feito um erro na folha de
cálculo do Excel que excluiu cinco países da análise.
Perante esta informação, vários
outros economistas, principalmente os que têm sido mais críticos da política de
austeridade, têm vindo a assinalar que a principal argumentação usada para
justificar a imposição de austeridade para baixar a dívida o mais rapidamente
possível não passa, afinal, de um erro no Excel. “Os principais culpados aqui
são todas as pessoas que aproveitaram os resultados de um estudo polémico, sem
saberem nada sobre esse estudo, apenas porque este dizia aquilo que queriam
ouvir”, escreveu Paul Krugman, no seu blogue.
Até agora, Rogoff e Reinhart deram
apenas breves respostas aos jornalistas que os contactaram, afirmando estar a
analisar o novo estudo, mas afirmando desde já que a existência de uma
correlação entre dívida alta e crescimento baixo não parece estar em causa.
Os dois autores, nas suas
intervenções públicas, sempre foram mais prudentes do que os políticos a tirar
conclusões práticas do seu estudo. Carmen Reinhart, quando participou por vídeoconferência
num seminário recente organizado pelo Banco de Portugal, recomendou uma redução
da dívida pública do país. Mas reconheceu que a via da austeridade não é a
única e que uma reestruturação de dívida pode ser a única solução. “Não estou a
dizer que a austeridade e as reformas estruturais não são importantes. O que
estou é a sugerir que, decididamente, só isso não chega. Quando as dívidas
chegam a este nível, historicamente necessitaram de algum tipo de negociação
com os credores”, afirmou, citada pelo Jornal de Negócios.
=Público=
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